Por Bruna Fantti

Rio - Nas paredes da sala de comando de Wellington da Silva Braga, o Ecko, na Favela do Aço,na Zona Oeste, há mapas que mostram o domínio territorial da maior milícia do Estado do Rio, que se estende de Santa Cruz até a Baixada Fluminense. A decoração fica por conta de quadros com fotos de personagens da trilogia 'O Poderoso Chefão'. "É como ele quer ser visto nas comunidades que tem influência, como um grande chefe", afirmou o delegado Alexandre Herdy, titular da Draco (Delegacia de Repressão aos Crimes Organizados).

A saga cinematográfica que foi às telas na década de 1970 conta a história de uma família mafiosa. Mas, ao contrário do personagem Don Corleone, Ecko é usuário de cocaína, lucra com o tráfico de drogas, tem perfil violento, local de tortura e coapta ex-traficantes para a quadrilha. Ele assumiu a liderança à força após a morte do irmão Carlos Alexandre Braga, o Carlinhos Três Pontes, em abril.

Milícia escreve iniciais em muro na Favela do Rodo%2C em Santa CruzReprodução

A ascensão de Ecko, apontado pela polícia como o autor da invasão da Favela do Rola no último final de semana, é só mais um capítulo da história das milícias no Rio que há 10 anos estão sendo combatidas de forma mais contundente pela Secretaria de Segurança Pública. Levantamento obtido pelo DIA com o Ministério Público mostra que desde 2007 até o primeiro semestre deste ano foram 1.276 prisões de milicianos, sendo 235 de PMs. Nos quatro anos anteriores, somente cinco pessoas tinham sido presas por esse tipo de crime.

Os grupos paramilitares ganharam força entre 2005 e 2006 e eram formados principalmente por policiais da ativa. Com o discurso de que iriam garantir a segurança dos locais que residiam, os milicianos ganharam a confiança de moradores e comerciantes. No entanto, sua imagem e objetivos mudaram diante da crueldade adotada contra quem se recusava a pagar as taxas de cobranças. "Atualmente a milícia visa somente o lucro. Uma outra mudança foi o esvaziamento de policiais da ativa nesses grupos", disse Herdy.

Em análise do perfil das prisões, é possível observar o esvaziamento de servidores públicos. Se em 2009, 65 policiais militares foram presos apontados por serem milicianos, esse ano foram somente quatro prisões de PMs. "A composição da milícia mudou nesses 10 anos. O policial passou a ver a roubada que era ser desse grupo por conta da repressão. Mas percebemos o aumento de policiais expulsos", apontou Herdy. Do total de presos, 876 eram civis. Apesar disso, o promotor Luiz Ayres acredita que policiais estejam dando apoio às ações dos milicianos. "É só observar que são poucas as operações da PM em áreas onde atuam milícias", opinou.

Milícia muda perfil e forma de matarArte O Dia

Número de desaparecidos é maior agora

O promotor Luiz Antônio Ayres, que atua em Santa Cruz, afirma que as milícias mudaram a forma de matar nesses 10 anos. "No início, eles deixavam os mortos pela rua, como uma forma de recado. Isso deixava rastros para investigação. Agora, desaparecem com os corpos", disse. A mudança de tática acarretou no aumento de número de pessoas desaparecidas. De acordo com dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), o Rio tem mais de 33 mil desaparecidos, desde 2002. Desse total, as delegacias da Zona Oeste lideram o ranking no estado. "O bairro de Santa Cruz possui o maior número de desaparecidos se levarmos em conta a área territorial", disse Ayres.

Somente pelos casos registrados, a delegacia aparece em segundo lugar, com 2.365 desaparecimentos desde 2002 até abril deste ano. O bairro de Campo Grande, que tem liderança da milícia do ex-PM Ricardo Teixeira, o Batman, possui 3.088 casos no mesmo período.

Segundo o promotor, o grupo de Ecko tem aliança com traficantes do Terceiro Comando Puro. "Eles deixam os traficantes atuarem na favela, com a venda livre de drogas. Mas, querem uma parte do lucro", disse.

O promotor acredita que o número de servidores públicos presos por suposta participação com as milícias tenha diminuído, pois, os policiais militares, por exemplo, estariam atuando de forma mais reservada. "O que mudou nesses 10 anos é a forma de comandar as milícias. Aumentou a repressão da corregedoria e do Ministério Público. Então, os policiais que querem se envolver com essa atividade coordenam de forma mais velada". Ayres citou que recentemente em um enterro de um policial, familiares foram com blusas do personagem de quadrinhos Batman, em alusão ao apelido do miliciano de Campo Grande. "São indícios que apontam a participação de policiais da ativa nesses grupos". 

Tiros, sangue, postagens de que houve 15 mortes, mas nenhum corpo

?O clima na Zona Oeste é de instabilidade com a guerra travada entre milicianos e traficantes do Comando Vermelho. A milícia de Ecko tem influência em toda a área do bairro, com exceção das favelas do Rola e de Antares.

No último final de semana, cerca de 50 milicianos se reuniram em uma quadra de futebol no interior da Favela do Aço e entraram no Rola, provocando tiroteios que duraram dois dias. Nas redes sociais, há postagens que dizem que 15 pessoas com suposta ligação com o tráfico foram mortas. No entanto, apesar de presumíveis marcas de sangue pelas ruas, nenhum corpo foi encontrado.

De acordo com informes da polícia, os milicianos teriam saído da favela do Rola após traficantes do Comando Vermelho avisarem que iriam sair do Complexo do Alemão para retomar áreas de milicianos. Com receio de perder território para traficantes que não aceitam dividir os lucros, os milicianos deixaram as ruas do Rola. No entanto, fizeram pichações com as inscrições 'Paz CL'. CL é outro apelido de Carlinhos Três Pontes. Camisetas com apoio à milícia também foram distribuídas aos moradores.

A Draco já realizou inúmeras operações na favela, mas encontra dificuldades por conta de barricadas feitas com quebra-molas sobrepostos nos principais acessos. Em uma das incursões, em 2015, a polícia conseguiu resgatar um homem que estava sendo torturado. Além da cobrança de serviços básicos, os milicianos fariam a exploração ilegal de saibro para terraplanagem.

Outro miliciano procurado pela Draco do mesmo grupo é Danilo Dias, que controla os negócios da milícia em Nova Iguaçu e Seropédica. Danilo quase foi preso e deixou um arsenal para trás na fuga."Chegamos ao local através de um Disque-Denúncia. Além das armas, achamos anotações da contabilidade da quadrilha", disse Herdy, que no comando da Draco prendeu 238 pessoas.

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