Rio - A tática de usar agentes do Estado para levantar informações sobre seus algozes em banco de dados governamentais, usada por milicianos, pode ter sido empregada pelo ex-governador Sérgio Cabral contra o juiz da 7ª Vara Federal Criminal, Marcelo Bretas. É isso que a Polícia Federal (PF) está investigando. Para obter detalhes da vida do magistrado, Cabral, preso há um ano, teria utilizado recursos de um fundo milionário. Quatro policiais civis e servidores de outros órgãos são suspeitos de fazer pesquisas sobre Bretas, a família dele e integrantes da força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) da Lava Jato no Rio, como divulgou com exclusividade ontem o RJTV, da TV Globo.
Segundo a reportagem, o sistema da Polícia Civil foi acessado dez vezes em busca de ocorrências envolvendo o nome Bretas em delegacias da Penha, Petrópolis, Ricardo de Albuquerque e Campos. Em nota, a Corregedoria da Polícia Civil informou que instaurou procedimento administrativo disciplinar para investigar o caso. "Ressalta, ainda, que tem o maior interesse de apurar com rigor e celeridade a responsabilidade por eventuais ilícitos administrativas e/ou criminais para que os servidores envolvidos sejam penalizados na forma da lei", informou um dos trechos.
Bretas ouviu Cabral
Por coincidência, Cabral tinha que prestar depoimento ontem a Bretas sobre a operação Fratura Exposta, que em abril prendeu o ex-secretário estadual de Saúde Sérgio Côrtes. Às 18h55, Cabral chegou à sala de audiência. De camisa social azul e calça jeans, tomou um cafezinho e cumprimentou procuradores do MPF com um sorriso. Dois policiais federais armados com fuzis estavam no local. Cabral negou que tenha mandado fazer um dossiê contra o juiz. "Isso é história inventada. Terrorismo de alguém", alegou o ex-governador.
Cabral pediu ainda desculpas porque, em audiência no mês passado, quando prestava depoimento na ação penal que é acusado de fazer compras de R$ 4,5 milhões na H.Stern para lavar dinheiro, declarou que a família do juiz tinha negócios no ramo de joias, o que foi visto como ameaça pelo magistrado. "Até me exaltei naquela situação, peço desculpas", disse Cabral. "Está superado", respondeu Bretas.
O caso motivou decisão de Bretas determinando transferência de Cabral para presídio federal. Mas o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu, em liminar, manter Cabral no Rio. Ontem, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou ao STF, que ainda vai julgar o mérito da questão, parecer favorável à retirada de Cabral do estado. Ela sustentou que é uma forma de "evitar que Cabral exerça sua condição de líder de organização criminosa, com força política e poder de influência no Rio", informou a Procuradoria-Geral da República.
Tese de transferência de Cabral pode ganhar força
A transferência de Sérgio Cabral para um presídio federal não está descartada. A notícia de um dossiê contra o juiz Marcelo Bretas pode reforçar a tese no Supremo. Ontem, o presidente do Tribunal Regional Federal 2, desembargador André Fontes, afirmou que a segurança de Bretas iria ser reforçada. "O sistema de segurança é para conter investidas", declarou.
Fontes ressaltou que a Corte se posicionou favorável à retirada de Cabral do Rio. "Não tenho competência jurisdicional. Mas o tribunal, desde o pedido, entendeu pela permanência fora do ambiente daqui, em função do vínculo de comunicação e do poder que não nos pareceu ter cessado", explicou.
Desde que assumiu o comando do TRF-2 no início do ano, André Fontes tem dado apoio ao juiz Marcelo Bretas. "Desde que entrei para a magistratura soube de dossiês para desqualificar o juiz de forma ética e moral, como forma de constrangimento. Mas um juiz é sujeito de direitos e deveres. A própria lei prevê casos de impedimento e suspeição", analisou.
Côrtes: repasse a campanha de Pezão e Pedro Paulo
?O ex-secretário de Saúde Sérgio Côrtes afirmou em depoimento a Bretas que repassou valores recebidos pelo empresário Gustavo Estelita às campanhas do governador Pezão, em 2014, e do deputado federal Pedro Paulo, à prefeitura, em 2016. Côrtes admitiu ter recebido vantagens pessoais desde que foi médico residente do Into.
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"Em 2014, Cabral pediu que eu arrumasse entre R$ 400 a 500 mil para a campanha de Pezão. Disse a ele que arrumei R$ 300 mil e fiquei com R$ 150 mil. Em 2016, fui procurado pelo ex-prefeito Eduardo Paes, que pediu o dinheiro para a campanha do Pedro Paulo. Fiz dois repasses ao Renato Pereira, marqueteiro da campanha", disse Côrtes, que tentou mais dinheiro na Rede D'Or, onde atuava, sem sucesso. Cabral afirmou que não estipulou valor, mas que o empresário Miguel Iskin repassou R$ 2,5 milhões para a campanha de Pezão e R$ 500 mil para partido aliado.
Em nota, Pedro Paulo, negou doações ilegais. "Todos recursos foram declarados à Justiça Eleitoral", alegou, observando que Côrtes fez doação legal de R$ 150 mil, como outras 384 pessoas. Já Paes explicou que "o apoio (...) de Côrtes foi feito e declarado na prestação de contas de Pedro Paulo".
O ex-secretário chorou. "Minha carreira foi manchada pelos meus erros, mas nunca usei vantagens indevidas", salientou, alegando que sonhava ser ministro da Saúde no governo Dilma.