Rio - Enquanto um esquema de corrupção para impedir a fiscalização e aumentar tarifas dos ônibus no estado é revelado por investigações do Ministério Público federal, os passageiros do Grande Rio, com exceção da capital, ainda não viram o valor da passagem baixar nem a qualidade melhorar. Na Baixada Fluminense, os moradores de Caxias pagam tarifas de até R$ 5,5 e de Nova Iguaçu, R$ 3,80. Em Niterói, R$ 3,90. Todas estão acima dos R$ 3,40 da tarifa municipal carioca, que já foi reduzida duas vezes nos últimos três meses pela Justiça, que considerou os reajustes autorizados pela prefeitura em anos anteriores abusivos.
O preço mais alto nos municípios vizinhos não significa melhor qualidade no transporte, dizem passageiros. Além da falta de ar condicionado, a sujeira e os atrasos dos coletivos são as principais reclamações de quem utiliza o transporte público diariamente.
"Pagamos passagem mais cara e não temos nenhum conforto. Sempre pego ônibus cheio e sujo", cobra Maria da Graça, 44, moradora de Nova Iguaçu, onde a passagem custa R$ 3,80. Em Caxias, as passagens dos ônibus municipais chegam a ser mais caras do que as intermunicipais. De lá para o Méier, por exemplo, custa R$ 4. Para circular no município, o passageiro paga de R$ 4,25 a R$ 5,50. Diferente do que acontece em algumas cidades, Caxias possui cinco tarifas distintas. "A gente sofre com essa frota de ônibus. Muitos são sucateados, cheios de sujeira e lixo. Não tem cabimento a gente pagar este preço", reclama o pedreiro Veridiano Regis e Silva, 67.
A técnica de laboratório Vanessa Silva, 31, conta que foi obrigada a desistir de um trabalho por conta dos valores de passagem. "Eu moro em Caxias e o trabalho era em Ipanema. Tive que desistir porque, no primeiro mês, eu tinha de bancar os custos com o transporte. Isso me custaria em média R$ 20 por dia. Nossa realidade é triste."
O Departamento de Transportes Rodoviários (Detro) disse que os reajustes das tarifas intermunicipais se baseiam na variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Já as tarifas municipais são definidas pelas prefeituras. O DIA procurou a Fetranspor, federação das empresas de ônibus do estado, e o Rio Ônibus (sindicato das empresas do município do Rio), que declararam que o valor das passagens na cidade do Rio "é totalmente fora da realidade" e que as empresas perderão a "capacidade de investir na manutenção e na renovação das frotas". Para o sindicato das empresas de Caxias, a situação financeira das empresas é precária e deve ser levada em conta no ajuste.
A Prefeitura de Nova Iguaçu afirmou que visa benefício da população e que a tarifa será revista em janeiro. Já a de Niterói informou que tem frota renovada, com 75% dos ônibus refrigerados. A Prefeitura de Caxias não respondeu.
Gravações revelam propinas
O ex-presidente do órgão que deveria fiscalizar os ônibus intermunicipais e autorizar aumento das tarifas recebia até R$ 1 milhão por mês das empresas para não fazer seu trabalho. É o que mostra gravação obtida pelo Ministério Público Federal e exibida pelo Fantástico, da TV Globo. No áudio, o então presidente do Detro, Rogério Onofre, reclama com empresários de ônibus porque passou a receber R$ 600 mil, em vez de R$ 1 milhão por mês.
"Eu recebo R$ 1 milhão há mais de um ano e meio. Você, por vontade sua, foi lá cortou e botou 600. Eu fiquei quatro meses sem receber. Eu fui até surpreendido. Não tava fazendo nada. Eu não tava fiscalizando vocês", reclama Onofre. José Carlos Lavouras, um dos representantes da Fetranspor, então explicou: "Os 600 é o mensal. Os 400 sempre foram vinculados a uma tarefa". O ex-presidente do Detro diz ainda que recebia uma espécie de 14º salário, quando o governo autorizava aumentos das passagens intermunicipais. A gravação teria sido feita em reunião de Onofre com representantes da Fetranspor e empresários de ônibus em 2011.
Rogério Onofre está na cadeia desde julho. A Fetranspor afirma que desconhece o teor do áudio e que permanece à disposição das autoridades para esclarecimentos. A defesa de José Carlos Lavouras informa que "sequer sabe se o áudio é verdadeiro, se foi montado ou editado."
Delator acusa Pezão
Em delação premiada, revelada pela TV Globo, o doleiro Edimar Moreira Dantas afirma ter pago R$ 4,8 milhões de dinheiro da Fetranspor, federação das empresas de ônibus, ao governador Luiz Fernando Pezão entre julho de 2014 e maio de 2015. O governador afirmou que não conhece e nunca esteve com Edimar Moreira Dantas e reafirma que jamais tratou de pagamento ou recebimento de recursos ilícitos.