Jorge Makandal, com cabelo de 1,5 metro, em frente à sua pousada em Sana: transformações - Reprodução Facebook
Jorge Makandal, com cabelo de 1,5 metro, em frente à sua pousada em Sana: transformaçõesReprodução Facebook
Por FRANCISCO EDSON ALVES

Rio - Criado nos anos de 1920 na Etiópia por descendentes de escravos, o Rastafári resiste no Estado do Rio e está passando por uma grande e lenta revolução. Quem garante é o maior representante da religião em solo fluminense, Jorge Makandal, de 68 anos. O movimento, cuja ideologia cresceu na Jamaica e se propagou pelo mundo nas letras de Bob Marley, é disseminado discretamente por ele em Sana, na Serra de Macaé, no Norte Fluminense, em sua pousada, onde antes havia o Camping Jamaica.

Lá, ele perpetua ensinamentos de sua crença, que vê no último imperador da Etiópia, Haile Selassie ou Hailé Selassié I (1892-1975), batizado como Tafari Makonnen e, posteriormente, Rás Tafari, como a encarnação de Jah (Deus).

"Estamos de pé, mas entrando com as novas tecnologias, em outra era, a digital, em conexão instantânea com o mundo inteiro, sobretudo Etiópia, Moçambique e Angola. Passamos a primar pela qualidade e não quantidade de seguidores, pela abertura em relação a alguns preceitos, que antes entendíamos como certos", afirma Jorge, o 'Paizão' entre os menos de mil "rastas raízes" que ele calcula ter espalhados pela região; por Santa Teresa, no Rio; em Mesquita e Nilópolis, na Baixada Fluminense, e em Niterói.

Em sua propriedade, que chama de tabernáculo, Jorge recebe entusiastas de mudanças. "Temos que desmistificar falsos conceitos que nos é atribuído, como o machismo. As mulheres estão em massa nos grupos, caminhando conosco", garante, mostrando fotos. "Não toleramos racismo, fascismo, consumismo, o termo rastafarianismo, e nem gente que põe dread e diz que é da religião, só pra fumar maconha", prega.

Jorge lamenta os que ainda os enxergam como "maconheiros sujos, de cabelos piolhentos", que só curtem reggae. "Prezamos pelo corpo limpo, assim como a alma, templos de Jah. Nossa cultura espiritual é linda", rebate, garantindo que o consumo eventual de ganja (maconha), tida como "erva sagrada", para atingir estados espirituais elevados, é feito em datas especiais e com fins medicinais. "Se a lei não permite, é óbvio que não plantamos", pondera.

Dia a dia com alimentação à base de raízes

Makandal, que já rodou o mundo, foi preso por três meses pela PF em 2006, por consumo de maconha e conflitos entre bandas de reggae e a vizinhança.

"Nunca fui traficante. Sou Nazireu (consagrado a Deus). Fui enganado por falsos rastafáris, que aproveitavam para vender drogas na minha porta", argumenta. Nos novos tempos, a alimentação não é mais tão rigorosa, assim como a proibição de tatuagens.

"Nossa religião é um começo sem fim. Estamos constantemente nos renovando. Somos um grito contra opressões e imposições. Só é sugerido que a alimentação (Ital, de vital) seja pura, à base de raízes, sem conservantes. Álcool, café e drogas (exceto ganja) devem ser evitados, assim como carne de porco".

Flexibilidade agrada simpatizantes

O artista plástico da empresa Telas Cariocas, Robson da Silva Costa, de 39 anos, vê com expectativa a possibilidade de novos tempos da doutrina Rastafári. Católico, ele usa dreadlock (ou lock-dread, rasta ou simplesmete dread, um penteado na forma de mechas emaranhadas, ou uma forma de se manter os cabelos, que se tornou famosa com o movimento Rastafári) e revela que só não se entregou à religião originada na Etiópia, por conta dos "radicalismos".

"Essa história de não poder fazer tatuagens, tomar uma cervejinha, e não consumir carne, não me agrada", justifica Robson, elogiando, porém, a disciplina dos 'rastas' e a permacultura (planejamento e execução de ocupações humanas sustentáveis, unindo práticas ancestrais aos modernos conhecimentos das áreas, principalmente, de ciências agrárias, engenharias, arquitetura e ciências sociais, todas abordadas sob a ótica da ecologia).

"Fico feliz em saber que há novos ares de flexibilidade. A filosofia Rastafári é maravilhosa, voltada para o puro, para o humano, para o sagrado. Faltam mais informações corretas sobre a religião. Conheci Jorge Makandal e fiquei extremamente impressionado com a sabedoria dele", diz Robson.

Jorge Makandal, por sua vez, lembra que, como o velho ditado diz, "tudo é permitido, mas nem tudo convém" ao ser humano. "Justamente por sermos seres, filhos de um único Deus, e não raças, como bichos. Nosso alimento deve ser o mais puro possível. Mas quem quiser se intoxicar com qualquer tipo de substância ou alimento, a decisão individual. Sem essa se proibir. Cada um tem a sua consciência perante ao sagrado", comenta, lembrando que os capoeiristas são um dos principais símbolos da força e resistência Rastafári no Brasil.

Você pode gostar
Comentários