O delegado Delmir Gouveia, titular da DRFC, mapeou as quadrilhas especializadas no roubo de cargas e as suas principais rotas de ação - Severino Silva/Agência O Dia
O delegado Delmir Gouveia, titular da DRFC, mapeou as quadrilhas especializadas no roubo de cargas e as suas principais rotas de açãoSeverino Silva/Agência O Dia
Por RAFAEL NASCIMENTO

Rio - Em uma madrugada do final de 2017, o caminhoneiro José (nome fictício), de 55 anos, passava pela BR-101, que liga o Rio ao Espírito Santo. Com uma carga de achocolatado e café, o motorista foi rendido por homens armados. Foi obrigado a seguir em um comboio de bandidos com fuzis e pistolas. Ele, então, foi levado da rodovia até uma comunidade do Complexo do Salgueiro, onde a carga seria retirada. "(Os bandidos) estavam com vários carros e sempre muito nervosos. Gritavam e diziam que era para eu não fazer movimentos bruscos. Ameaçavam me matar".

O relato revela o drama de caminhoneiros principalmente no ano passado, quando o Estado do Rio registrou 10.599 casos do tipo, um roubo a cada 50 minutos 52% deles concentrados em 11 das 138 unidades policiais. Levantamento da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) estima um prejuízo de R$ 57,6 bilhões em 2017 nos estados do Rio, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo. O Sindicato de Empresas de Transporte Rodoviário e Logística do Rio (Sindicarga) diz que houve um prejuízo de R$ 1 bilhão para as empresas do ramo no período.

O impacto da intervenção

A intervenção federal na segurança do Rio, que completou dez meses ontem, conseguiu redução de 14,4% no roubo de cargas. O dado faz parte do relatório divulgado no sábado pelo Observatório da Intervenção, formado por especialistas em violência e segurança pública da Universidade Cândido Mendes. Apesar do índice positivo, o saldo é pouco otimista. Registros de tiroteios cresceram 56% e o número de pessoas mortas pela polícia aumentou 40%. Em 303 dias, 161 pessoas foram vítimas de balas perdidas.

Investigações, prisões e indiciamentos de traficantes, receptadores e até de informantes a serviço das quadrilhas também contribuíram para que ocorresse queda no índice de roubo de cargas no ano.

As rotas do crime

Maio foi o mês com maior número de roubos no ano: 1.240 casos, média de 40 por dia. Um contraste com os 651 registros de outubro, quando a média quase caiu pela metade na comparação entre maio e outubro. Foram 158 presos nos últimos nove meses. "Analisamos registros de todas as delegacias para combater esse crime", diz Delmir Gouveia, delegado titular da Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas (DRFC).

Segundo levantamento da especializada, a Avenida Brasil é um dos alvos preferidos das quadrilhas, principalmente no trecho entre Bonsucesso e Bangu. Nessa região, a favela Kelso aparece como ponto estratégico do crime. A Rodovia Washington Luís, a Rodovia Presidente Dutra e BR-101 Rio-Vitória (em São Gonçalo) também estão no mapa do crime.

Uma rota alimentada pela ação de receptadores especializados, que vão às comunidades para escolher itens roubados. "Já houve registro de liberarem um caminhão de carga de gelo porque os compradores não quiseram o produto roubado", lembra Delmir.

De frango a Iphones

Segundo a Polícia Civil, os criminosos preferem roubar entre 5h e 12h horário em que os motoristas estão chegando para descarregar suas cargas. Atualmente, segundo os investigadores, os bandidos roubam de tudo no estado: de frango a iPhones. Em alguns casos, os grupos buscam um produto específico (alimentos, pneus, eletroeletrônicos, por exemplo). Em outros, atuam no estilo 'roleta russa', como diz a polícia: param qualquer caminhão e roubam o que tiver ali.

O DIA apurou que 85% dos assaltos a carga só acontece após a autorização dos traficantes. Desse número, 70% é ordenado por criminosos do Comando Vermelho (que estão em comunidades como Belford Roxo, Complexo da Maré, Comunidade Kelson e São Gonçalo regiões onde os assaltos acontecem com maior frequência). As cargas roubadas (algumas recuperadas e outras não) estavam avaliadas entre R$ 5 mil e R$ 3 milhões, segundo a polícia.

Os 'especialistas' nas favelas do Rio

Comunidades do Rio que já contam com traficantes especializados apenas para roubos de cargas: os chamados 'gerentes do roubo', criminosos que obrigam moradores a descarregarem os produtos roubados dentro das favelas.

É o que acontece em Furquim Mendes, Dique, Beira-Mar e Ficap, entre Jardim América e Duque de Caxias, de acordo com a DRFC. Ainda segundo a investigação, a ordem partia dos traficantes Gilberto Pereira dos Santos, Átila Martins Pena e Fabiano Elias da Silva Marinho (do Comando Vermelho), presos neste ano. "Mulheres, idosos, menores e até grávidas são obrigados a ajudar no descarregamento das cargas", diz o delegado Delmir Gouveia, titular da especializada.

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