Rio - Os versos do poeta cearense Bráulio Bessa sobre o Natal se confundem com os sentimentos de esperança, amor e generosidade da família do sambista Arlindo Cruz. Enquanto o cordelista, de 32 anos, que recita semanalmente sua obra autoral no programa 'Encontro com Fátima Bernardes', evidencia que muito além do Papai Noel e dos objetos trocados o importante é estar presente nesta data, o cantor, que cresceu em Madureira, vai passar pela primeira vez a festividade em casa após um AVC, no ano passado. Segundo a família, a recuperação do artista é cada vez melhor, com retomada de alguns movimentos e expressões de alegria e emoção.
Companheira de Arlindo há 32 anos, Barbara da Cruz, de 48 anos, a Babi, resume este Natal como um "renascimento". "É muita felicidade tê-lo em casa, são passos pequenos, mas constantes. Início do ano ele vai tirar a traqueostomia, a alimentação já é maior parte por via oral. Ele ouve tudo, nos entende e interage", disse. Em 2017, na mesma data, o cantor ainda enfrentava uma internação em Unidade Semi-Intensiva. De volta ao lar desde julho, o flamenguista de 60 anos chora ao ouvir o hino do time do coração, ri com filmes de comédia e já esboça palavras. "Ele fala um 'ai, ai'. Se não voltasse reclamando não era você, né pai?", indagou a matriarca ao marido, com quem conversa, abraça e beija constantemente.
A comemoração natalina, contou Babi, sempre foi um marco na vida da família, que recebia mais de 40 pessoas para trocar presentes. Hoje, a celebração é menor, junto aos parentes mais próximos, incluindo a neta Maria Helena, de 5 anos, e os filhos Arlindinho, 27, e Flora, 16, que espera, de quatro meses, um menino. "Arlindo é fã de salada de bacalhau e rabanada. Ele começava a comer na hora que estava fritando, e terminava com ela gelada no dia seguinte".
Em sua rotina, o intérprete da famosa canção 'O show tem que continuar' passa por fisioterapia diária, fonoaudióloga, além de medicinas alternativas, como acupuntura e musicoterapia. "O relaxa muito! Tem piano, pandeiro, banjo. E ele adora música francesa. Evitamos as músicas próprias dele, porque pode trazer melancolia", pontuou Babi, que também conta com uma equipe de dois enfermeiros e uma cuidadora, com quem inclusive tem a ajuda para escrever o livro 'O Diário do Arlindo'.
"Era apenas um registro pra ele posteriormente lembrar, mas se tornou um livro, o diário da volta do Arlindo para casa", explicou a esposa. "Já era fã, e fiquei mais ainda o conhecendo como pessoa. Somos tratados como família", afirmou a cuidadora Vânia.
Entre as surpresas do período de recuperação, Babi revela que a maior é o carinho do público. "Eu não sabia desse amor, e ele também não. Arlindo precisa voltar pra ter noção da imensidão que ele construiu no coração das pessoas. Temos fé". E se depender da agremiação X-9 Paulistana, a energia positiva para o ídolo do samba será ainda maior. A escola vai homenageá-lo no desfile de 2019, no Sambódromo do Anhembi, em São Paulo, e Babi promete a presença de Arlindo. "Samba de arerê pra você voltar, Zona Norte é Madureira", diz a letra para o Carnaval, que mostra que a saudade do cantor ultrapassa as fronteiras do Rio.
À frente da turnê '60 anos de vida, 40 anos de samba', o primogênito e cantor Arlindo Neto faz jus a trajetória do pai. "Ele dormiu filho, e acordou pai. Amadureceu muito, é um chefe de família responsável e incansável", reforçou Babi. Já Flora revelou que aprendeu a amar e valorizar mais a família. "Todo dia beijo e agarro meu pai, porque sem ele não dá para viver não".
POETA VOLTA ÀS ORIGENS
Para o poeta Bráulio, estar ao lado dos pais e de volta à Alto Santo, sua cidade natal com apenas 16 mil habitantes, é essencial na celebração de fim de ano. Mesmo com 2 milhões de seguidores na internet e três livros lançados (o último, 'Poesia que transforma', figura entre a lista de mais vendidos há meses), o cordelista continua se mostrando um homem simples.
"É o momento de estar próximo de quem lhe construiu como ser humano, e quem lhe reconstrói todo dia", analisou o poeta, que enxerga os versos como um "carinho na alma". "Escrevo para abraçar as pessoas. Vimos tanto ódio, intolerância, desunião este ano... o Natal é uma boa desculpa para se juntar, para perdoar, se amar". A emoção da data é compartilhada por Babi Cruz. "É o momento de celebrar a vida, a recuperação do Arlindo, a oportunidade que Deus e os Orixás dão para gente, e cantar muito samba", finalizou.
POESIA DE BRÁULIO BESSA
“Que você, nesse Natal,
entenda o real sentido
da data em que veio ao mundo
um homem bom, destemido
e que o dono da festa
não possa ser esquecido.
Vindo lá do Polo Norte
num trenó cheio de luz
Papai Noel é lembrado
muito mais do que Jesus.
Ô balança incoerente
onde um saco de presente
pesa mais que uma cruz.
Sei que dar presente é bom
mas bom mesmo é ser presente
ser amigo, ser parceiro
ser o abraço mais quente
permitir que nossos olhos
não enxerguem só a gente.
Que você, nesse momento,
faça uma refl exão
independente de crença,
de fé, de religião
pratique o bem sem parar
pois não adiantar orar
se não existir ação.
Alimente um faminto
que vive no meio da rua,
agasalhe um indigente
coberto só pela lua,
sua parte é ajudar
e o mundo pode mudar
cada um fazendo a sua.
Abrace um desconhecido,
perdoe quem lhe feriu,
se esforce pra reerguer
um amigo que caiu
e tente dar esperança
pra alguém que desistiu.
Convença quem está triste
que vale a pena sorrir,
aconselhe quem parou
que ainda dá pra seguir.
e pra’quele que errou
dá tempo de corrigir.
Faça o bem por qualquer um
sem perguntar o porquê,
parece fora de moda
soa meio que clichê,
mas quando se ajuda alguém
o ajudado é você.
Que você possa ser bom
começando de janeiro
e que esse sentimento
seja fi rme e verdadeiro.
Que você viva o Natal
todo ano, o ano inteiro.
*Estagiária sob supervisão de Angélica Fernandes