Rio - Após o massacre na Escola Estadual Professor Raul Brasil, em Suzano (SP), no último dia 13, quando dez pessoas (oito alunos e os dois assassinos) morreram, uma onda de ataques e boatos tomou conta da comunidade escolar no país, gerando insegurança entre alunos, pais e professores.
No Rio, no dia seguinte à tragédia paulista, um adolescente de 16 anos esfaqueou um aluno do Ciep Brigadeiro Sérgio Carvalho, em Campo Grande, na Zona Oeste. A vítima, de 15 anos, não quer mais voltar a estudar lá. Desde então, a Polícia Militar já foi mobilizada dezenas de vezes em todo o estado do Rio por conta de notícias — a maioria delas, falsa — de invasões e atentados. Como ocorreu no Ciep Aspirante Francisco Mega, em Magalhães Bastos, na Zona Oeste, no dia 15, e no Centro Universitário de Barra Mansa (UBM), há dois dias. As aulas foram canceladas nas duas instituições, que acionaram reforços policiais.
O cenário de preocupação nos colégios já estava instalado mais claramente para os cariocas desde o episódio que ficou conhecido como ‘Massacre de Realengo’, em 7 de abril de 2011. Naquele dia, por volta das 8h30, na Escola Municipal Tasso da Silveira, no bairro, o ex-aluno da instituição Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, invadiu o local armado com dois revólveres, matando 12 estudantes, com idade entre 13 e 16 anos, e deixando pelo menos outros 13 feridos. Ao ser interceptado por policiais militares, o jovem, acuado, cometeu suicídio.
Mas o que estaria por trás da epidemia de violência que cresce em ambientes que deveriam ser de paz e harmonia, criando uma cultura de medo e cenários agressivos, de terror entre os próprios estudantes? O DIA ouviu a opinião de quatro experientes professoras que trabalham em escolas públicas da capital, Baixada Fluminense e Região Metropolitana. Elas dão pistas importantes para que um debate sobre os rumos da Educação seja ampliado e para que a sociedade como um todo reveja práticas de convivência escolar.
É preciso entender que a escola é o reflexo da sociedade. Mas, podemos modificar essa sociedade através da educação. E ainda precisamos levar em conta a diferença muito grande a escola privada e a escola pública.
O programa bolsa família propiciou o acesso a quase todas as crianças e a Lei nº 12.796 obriga os pais a matricularem as crianças aos 4 de idade, aumentado os anos de escolaridade da criança da escola pública. Com o acesso de todas as crianças a escola recebeu crianças com deficiência emocional, educacional e nutricional sem contar a dificuldade dos próprios professores para entender esse aluno. Sem contar crise econômica e aumento da violência este problemas sociais e econômicos afastando os pais da vida do filhos e delegando a educação do filho a escola que por sua vez não consegue dar conta.
É preciso aumentar a quantidade de horas na escola e melhorar a formação do professor.
A escola deve propiciar uma educação acolhedora e que a emoção e os sentimento perpassem o ensino e através de projetos interdisciplinares ou multidisciplinares voltados ao respeito ao próximo à solidariedade unam alunos, professores e comunidade escolar. Claro que não vamos resolver todos os problemas, mas com o aluno mais tempo na escola é envolvido emocionalmente seria melhor para todos.
'Sistema é falho e desinteressante'
(Mônica Alvarenga, professora de inglês, 51 anos)
“Pesquisas indicam que nas buscas na internet, palavras como terrorismo, mutilação, bombas e suicídio, estão entre as mais acessadas. Estamos oferecendo um modelo de escola inadequado para os jovens. Mas qual seria o adequado? Ninguém sabe ainda. Só sabemos que o atual não os interessa. É preciso oferecer conteúdos que os façam dialogar, que os reaproximem e nos aproximem. Hoje, é impossível o professor dar conta da emoção de seus alunos numa sala entupida com 50 estudantes. Todo o sistema educacional tem que ser revisto. E com muita urgência”. Tenho 31 anos na rede estadual de Educação. Me aperfeiçoei em desenvolvimento de pessoas em ambientes corporativos e escolas. Meus alunos são adolescentes do Ensino Médio, dos Cieps Heitor dos Prazeres, em Pedra de Guaratiba, e Mário de Andrade, em Santa Cruz (ambos na Zona Oeste). O momento é de transição, de grandes transformações sociais. Há 20 anos, celular era privilégio e só tinha voz. Agora, tem o mundo inteiro nele. Paralelo a isso, a reestruturação da economia e cultura globais, em fase de adaptação, mudam relações de trabalho e família diariamente. Hoje há muitos lares de mães sozinhas, que trabalham dobrado; há famílias sem relações harmônicas, sem tempo, e que lidam com todas as dificuldades que nós, pais e professores, estamos tendo de adaptação. Esses fenômenos estão colocando os mais novos em conflitos crescentes”.
Escola com mais emoções e sentimentos
(Luciane Gervou, professora de educação física, 50 anos)
“Sou professora da Escola Municipal Márcia de Brito, de Belford Roxo. Iniciei minha carreira há 25 anos na rede estadual e há 20 também atuo em colégios municipais. Entendo que a escola é o reflexo da sociedade. Mas podemos modificar a sociedade através da educação. E precisamos levar em conta a diferença enorme entre a escola privada e a pública. O Programa Bolsa Família propiciou o acesso a quase todas as crianças ao ensino e a Lei 12.796 obriga os pais a matricularem as crianças aos 4 de idade. Com o acesso maior de estudantes, a escola recebeu alunos com uma gama de deficiência emocional, educacional e nutricional. Sem contar que a crise econômica e aumento da violência, vêm assombrando a vida familiar. Famílias desestruturas delegam, então, a educação do filho apenas à escola, que, por sua vez, não consegue dar conta sozinha. É preciso aumentar a quantidade de horas de aprendizado nos colégios e melhorar a formação do professor. Antigamente, a escola tinha uma educação mais acolhedora, onde as emoções e os sentimentos eram mais latentes. Acredito que projetos interdisciplinares ou multidisciplinares voltados para o respeito ao próximo à solidariedade, possam unir novamente a comunidade escolar”
Crianças já nascem para o mundo virtual
(Delnice Pereira, professora de língua portuguesa)
“O magistério faz parte da minha vida há 27 anos. Trabalho na Escola Parque e na Escola Municipal Frei Gaspar, no Recreio. Acredito que a violência na comunidade escolar, deve-se muito à nova realidade mundial. As crianças hoje já nascem preparadas para um mundo virtual que, quando mal usado, só encontra eco no ódio, racismo e drogas. Os pais dão logo um iPhone, um laptop, um tablet para o filho. Mas os equipamentos acabam mesmo é virando babás eletrônicas. Nas escolas, na hora do recreio, as crianças não brincam mais como antes, de pique, de jogar bola, por exemplo. Ficam isoladas, centradas nelas mesmas, alheias à realidade. E ao chegarem à adolescência, que deveria ser a época ideal para buscar suas identidades, estão perdidas, se “informando” pelo Whatsapp, por memes, Facebook. Os alunos têm cada vez mais dificuldades de compartilhar experiências, espaços, palpites, trabalhos, pensamentos. Não estão mais acostumados a atividades em grupos, em ouvir e dar opiniões. Esse individualismo está nos distanciando. O papel dos educadores, porém, é ir na contramão. Não podemos desistir. Eu procuro fazer sempre que o estudante exercite a gentileza, a empatia, a coletividade. Não é fácil, mas não é impossível”.