Alunos e mestres do Centro Musical Jim Capaldi - Gustavo de Oliveira
Alunos e mestres do Centro Musical Jim CapaldiGustavo de Oliveira
Por RICARDO SCHOTT
Rio - Você pode até não saber quem foi o músico inglês Jim Capaldi (1944-2005), ou apenas se lembrar que foi ele, com o ex-guitarrista dos Beatles, George Harrison, quem lançou uma versão em inglês para o sucesso 'Anna Julia', do Los Hermanos. Talvez saiba que 'Dear Mr. Fantasy', de sua banda Traffic, está na trilha do mais recente filme da Marvel, 'Vingadores: Ultimato'. Mas tem uma turminha de sete a 17 anos de lugares como Vicente de Carvalho, do Morro do Juramento, Jardim do Saco, Morro do Trem, Jardim do Carmo e Morro da Fé, que sabe muito bem quem foi o roqueiro inglês que se encantou pelas crianças do Brasil.
"A música me salvou, ela salva", agradece Maria Fernanda Souza, 17 anos, uma das 203 alunas do Centro Musical Jim Capaldi, que funciona há dez anos em Vicente de Carvalho e oferece aulas de canto, cavaquinho, percussão e violão para a criançada carente da comunidade. "Quero me tornar uma pessoa que inspire os mais jovens. Tento levar para o curso de música especialmente os amigos que podem acabar indo para o lado errado. Às vezes eu mesma dou a primeira aula, em casa", orgulha-se ela, que começou no Centro Musical há exatos dez anos.
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Se você viu o show de Roger Waters no Rio de Janeiro, em outubro, viu um pedaço do Centro Musical Jim Capaldi no palco do Maracanã, já que um grupo de doze crianças e adolescentes subiu no palco para cantar o clássico 'Another Brick In The Wall (part II)'. Maria Fernanda era uma delas. "Eram 47 mil pessoas!", emociona-se. "Se fossem só dez pessoas, eu ia ficar mais nervosa. Mas ali no Maracanã, era só não focar em ninguém e se concentrar. Tivemos que aprender a cantar em inglês, o que subiu um nível acima de dificuldade, e além disso tinha a coreografia."
Nas redes
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Roger Waters ficou tão encantado com Maria que publicou em seu perfil no Instagram um vídeo dela cantando com o grupo uma música de sua própria autoria no backstage no Maracanã. A publicação, no qual ele escreveu que "Maria Fernanda é uma estrela", passou das 200 mil visualizações e 43 mil likes.
"Tenho muitas músicas, a primeira foi 'Novo lugar'. Foi essa que o Roger Waters viu", orgulha-se Maria. "Depois, ficou todo mundo me zoando na escola, me chamando de 'a estrelinha do Roger'! Mas eu tenho um canal no YouTube e surgiram tantos seguidores falando que gostaram, que me descobriram pelo Roger, deu uma grande visibilidade. A galera pede clipe, gravação, mas eu só tenho dois vídeos no canal, não tenho mais porque meu celular quebrou e parou de gravar", lamenta.
Alunos da escola com Roger Waters - fotos de divulgação
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Roqueiro anglo-brasileiro
A relação de Capaldi com o Brasil é para lá de antiga: ele se casou com a carioca Ana Emília Campos em 1975. O casal se conheceu na Inglaterra, morou no Rio de Janeiro e ficou junto até a morte dele, em 2005. Já as atividades do Centro de Música Jim Capaldi começaram em 2009, dentro da Associação Beneficente São Martinho, que Jim e sua esposa sempre ajudaram. Antes de morrer, de câncer, o músico pediu para ela continuar ajudando a instituição.
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"O Centro Musical veio de um plano original do Jim, que era criar uma escola de música para crianças da comunidade. Ele deu aulas de percussão e bateria para meninos e meninas em uma primeira etapa", conta Aninha, como a viúva de Capaldi é mais conhecida. "Ele teve participação na montagem das aulas e obteve doações de instrumentos com amigos como George Harrison, Steve Winwood, Brian May (Queen), Bruce Dickinson (Iron Maiden), Ian Paice (Deep Purple). George Michael virou o nosso anjo da guarda, nos financiando por 20 anos até a sua morte".
'Jim tratava todo mundo igual'
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A influência de Jim Capaldi, tanto para conseguir doadores quanto para reunir amigos estelares para gravar sua versão de 'Anna Julia', se deu por conta das quatro décadas como músico na Inglaterra, tanto em carreira solo quanto com a banda Traffic, que fundou no fim dos anos 60 ao lado do popstar Steve Winwood. Após 'Vingadores', o grupo voltou a aparecer nas paradas, com recorde de aumento de downloads e streaming. No embalo disso, acaba de ser lançada pela Universal uma caixa com os seis álbuns do Traffic em vinil remasterizado direto do estúdio da Island Records, em Londres, projeto capitaneado por Aninha.
"Alguns até mesmo disseram que ela 'fez o filme'", entusiasma-se Aninha, que teve com o roqueiro duas filhas, Tabitha (londrina, nascida em 1977) e Tallulah (carioca, em 1979). Quem toca o Centro Musical diretamente no Rio é Tabitha Capaldi, enquanto Ana fica em Londres mobilizando uma rede de ilustres doadores. "Depois que o Jim morreu, a primeira vez que eu voltei ao Rio e andei no quarteirão onde eu nasci, fui criada e a gente morou, veio o vendedor de suco me abraçar chorando, o jornaleiro, o cara da cadeira da praia. O Jim falava com o rico e o pobre igual, ele tinha esse carisma".