Luarlindo Ernesto - Daniel Castelo Branco / Agência O DIa
Luarlindo ErnestoDaniel Castelo Branco / Agência O DIa
Por Luarlindo Ernesto
Rio - O roubo dos mais de 700 quilos de ouro no aeroporto de Cumbica, em São Paulo, neste final de julho, me fez lembrar dos CR$ 27,6 milhões - uma fortuna, na época - roubados do trem pagador da Central do Brasil. Foi na manhã de 14 de junho de 1960, em Japeri. O dinheiro era destinado ao pagamento de salários de mais de mil funcionários das estações da antiga Linha Auxiliar da Central. Incluindo, nesse montante, o abono salarial de dois meses para os ferroviários. Os ladrões, chefiados por Tião Medonho, dinamitaram os trilhos. A locomotiva descarrilhou. Invadiram o vagão onde estava o dinheiro e imobilizaram o maquinista da velha Maria Fumaça e uns poucos funcionários. Fugiram, disparando suas armas, baleando dois ferroviários e matando um outro. Mas, um assunto leva a outro, que leva a outro, que leva a outro...

Na época, eu tinha 17 anos e estava em "estágio" na Última Hora. Passei quase um mês em Duque de Caxias acompanhando as investigações da polícia. Aliás, a delegacia funcionava em uma velha casa residencial, transformada e adaptada para funcionar como delegacia de polícia, quase em frente à estação de trens da cidade. Na via principal, a antiga Rio-Petrópolis, bem pertinho, ficava a casa-mansão-fortaleza do deputado federal Natalício Tenório Cavalcanti, o homem da capa preta. Ele, vez por outra, aparecia na porta da delegacia para um bate-papo com os jornalistas que acompanhavam as diligências do roubo milionário. Era um excelente contador de histórias e eu gostava de ouvi-lo. Servia para passar o tempo. E essa aproximação me rendeu, bem mais tarde, várias matérias com o velho político.

Em 1960, a telefonia no Brasil engatinhava. Para um telefonema entre Duque de Caxias (município do antigo Estado do Rio de Janeiro) e a Guanabara (ex-capital da República), a demora aproximada da chamada era de duas horas. Isso quando o número desejado não estivesse ocupado. Poucos telefones existiam naquela cidade da Baixada Fluminense. Tinha na delegacia, no Fórum, na Igreja, na Prefeitura, Câmara de Vereadores e, é claro, na casa do deputado. Os repórteres passavam as notícias por telefone, evitando o deslocamento até as suas redações. E o relacionamento com Tenório me proporcionava o conforto de esperar as ligações com o jornal na ampla sala da casa do parlamentar. Eu sabia que ele escutava (deixava um funcionário da Luta Democrática, jornal dele), escutando as novidades que eu transmitia para a Última Hora.

Tenório cansou de me alertar sobre o que se fala ao telefone: "qualquer assunto importante não deve ser dito ao telefone. Só pessoalmente". Ele temia as "escutas" clandestinas. Mas achava normal, nesse caso, usando as minhas informações no seu jornal diário. Eu sabia da manobra e não me importava. Os leitores do jornal dele não eram os mesmos do meu jornal. Tenório me usava e eu usava o telefone - tão precioso - dele. As "escutas" dessa época eram mais arcaicas. Somente uns quatro anos depois, quando aconteceu o golpe militar, em 1964, a arte da "escuta" já era mais profissional. Os "grampos" eram instalados pelos "arapongas" dos serviços de inteligência. E, até os dias de hoje, com a chegada do computador, internet, satélites, celulares, hackers, se formaram os profissionais no mundo. Mas alerta do Tenório está mais presente em minha memória: "assunto importante, só pessoalmente".

Se o assunto é recordar as escutas de conversas alheias, então vamos tentar algumas: os serviços de espionagem, com emprego de alcaguetes - dedos duros, delatores - tem até os delatores profissionais. E, hoje em dia, as delações premiadas - usadas principalmente nas guerras, não são novidades. Na minha mente, entretanto, acho que um dos mais badalados dos casos foi o de Judas Escariotes. Em troca de 30 dinheiros, "entregou" Jesus aos Romanos. Será que esse é o primeiro caso de espionagem (a escuta da época) da Era Cristã?