Vanessa contou ao DIA que a amiga já tinha estado no local e a chamou para conhecer a loja, que vende bolsas, bijuterias e outros artigos para presente. Como não gostaram de nada, decidiram ir embora. Ela carregava uma sacola de verduras, onde a funcionária acusou que a estudante de direito tinha escondido uma carteira que era vendida no local.
"Saindo da loja, a funcionária que fica na porta veio e falou bem no meu ouvido, baixinho: 'Devolve a carteira que está na sua bolsa'. Pedi para ela repetir, e ela não repetiu", contou.
A estudante disse que depois foi chamada pela mesma funcionária, que mudou a versão e falou que não dito nada daquilo, mas no fim reconheceu o erro. "Ela veio contando que não tinha falado aquilo, que apenas estava indicando que a carteira era R$ 15. No fim assumiu que tinha errado, que tinha se confundido e pediu desculpas, que poderia assumir o que falou, mas que não envolvesse a loja", disse Vanessa.
Indignada com o episódio, a estudante fez um desabafo nas redes sociais sobre a "confusão", como a funcionária nomeou o episódio. "Confusa se eu tinha furtado ou não. Não vamos deixar que nos confundam mais com MARGINAIS. Já fomos confundidos, escravizados, humilhados, acoados, subjugados por 300 anos oficialmente", escreveu. A postagem teve vários compartilhamentos e comentários em apoio a Vanessa.
A vítima disse que a gerente da loja tentou abafar a história e pediu desculpas, justificando que "tentaria um treinamento melhor" para os funcionários. Para Vanessa, o caso é nitidamente a materialização do preconceito, pois só ocorreu por se tratar de duas mulheres negras.
"O racismo é materializado ali. Ela não perguntou, ela simplesmente pediu para tirar da minha bolsa algo que não tinha", disse, ressaltando que casos como esses acontecem diariamente com negros e causa traumas. "É difícil mensurar a dor, a indignação, a impotência diante dessa marginalização. Foi um choque muito grande, não consegui dormir direito", falou.
PM diz que não atende 'esse tipo de conflito'
Após a abordagem racista relatada por Vanessa, ela ligou para o 190 da Polícia Militar para pedir ajuda, mas a resposta por telefone era de que a corporação não atendia "esse tipo de conflito", sendo orientada a procurar uma delegacia.
A reportagem entrou em contato com a loja, que pertence a cidadãos chineses. Uma gerente da Unistar Presentes, identificada como Julia Ji, disse que a funcionária que abordou Vanessa estava em período de experiência e trabalhava no local há cerca de 10 dias. Ela foi dispensada após o episódio, segundo a administradora do estabelecimento.
Ji lamentou o episódio e disse que orienta os funcionários a não fazer esse tipo de abordagem sem ter "100% de certeza". "Tem que primeiro olhar a câmera, checar bem para ter certeza e depois falar com a pessoa", explicou.
Na madrugada do último sábado cinco jovens negros afirmam terem sofrido agressões racistas por parte de seguranças e pelos donos de um bar próximo a Pedra do Sal, no bairro da Saúde, Região Central do Rio.
Entre os denunciantes, além de três mulheres e dois homens, está a integrante do coletivo artístico Slam das Minas Andrea Bak, que relatou o caso em suas redes sociais. Na publicação, Bak conta que ela e os amigos foram linchados depois que foram impedidos de usar o banheiro do estabelecimento que seria destinado a clientes brancos.
Ela diz que os agressores usaram barras de ferro e tacos de beisebol, além de socos e ameaças com arma de fogo. A confusão teria atraído pessoas para o local, que também lincharam o grupo. "Foi uma agressão gratuita ao nosso grupo e só queremos justiça e que eles não façam isso com mais ninguém."
A Pedra do Sal faz parte da região chamada de Pequena África, na Zona Portuária do Rio. Símbolo da cultura negra, o local abriga uma tradicional roda de samba às segundas-feiras. O lugar era ponto de encontro de africanos e baianos no Rio no início do século XIX, e é considerado o berço do samba de roda no Rio, com nomes como Donga, Pixinguinha e João da Baiana.