'Só a vacina para nos tirar desse inferno': profissionais da saúde contam sobre tensão em hospitais em 2020
Enfermeiros voluntários nos testes da Coronovac falam ao DIA sobre as dificuldades do ano que passou e a expectativa de imunização para 2021
Rio - A esperança de um 2021 tranquilo está, literalmente, dentro de Felipe Victor Barbosa e Aclécio Araújo, enfermeiros na rede pública de Niterói. Eles foram alguns dos voluntários nos testes da vacina chinesa Coronavac e compartilharam de um mesmo sentimento quando o relógio marcou os primeiros momentos do dia 1º: que o ano de 2020, especialmente tenso para quem esteve na linha de frente do combate ao vírus, fique apenas na memória e não volte jamais. A expectativa de ambos é que o processo de imunização se dê rapidamente neste início de 2021.
Convidados pelo O DIA, os profissionais contaram da rotina desgastante e desoladora nos corredores dos hospitais - "tinha gente que chegava pedindo para não morrer à tarde, e à noite estava morto", conta Aclécio -, mas dividiram também a esperança pela distribuição da vacina à população, que segue sem data, mas tem previsão de início para o primeiro semestre. Apesar de não saberem se receberam o imunizante ou o placebo, eles não tiveram qualquer reação colateral.
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Aclécio Araújo, 34 anos, enfermeiro da rede pública em Niterói
Sou enfermeiro e trabalho diretamente no combate a esse vírus maldito. Pego o paciente quando está mal, no CTI. Com a pandemia, minha rotina mudou bastante porque a demanda aumentou consideravelmente. Colegas ficaram doentes, muita gente foi afastada por ser do grupo de risco, idosos, diabéticos. Tivemos esse déficit e cheguei a ficar 48 horas sem ter rendição. Não podia largar o plantão sem rendição.
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Em julho e agosto vimos o caos. Tinha gente que entrava no hospital pedindo para não morrer à tarde, e à noite o cara estava morto. A diferença é que nesse começo a gente via isso no hospital, mas na rua as pessoas pareciam com medo, tinham respeito pelo vírus. Hoje, o cenário está igual ou pior nos hospitais, e na rua tem festa, rave, baile. Parece que são dois mundos completamente diferentes.
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Eu, no começo da pandemia, tive que me afastar da família, que tem comorbidades. Por isso defendo tanto essa vacina. Eu me voluntariei, muitos colegas dizem que fui cobaia. Fui, sim, para proteger as pessoas. Tomei as duas doses da Coronavac, não sei se placebo, ou vacina. Acho que fui do gurpo que tomou a vacina, porque, depois da segunda dose, fiz o teste swab (coleta nasal) e meu anticorpo para igG estava lá em cima. Também recebi uma carta deles confirmando. Fiquei feliz por não passar mais nada para meus entes queridos. Tem quem diga: 'não tomo nem da China, nem de lugar nenhum'. Mas é preciso pensar nas pessoas que querem tomar, mas não poderão no primeiro momento, como os imunossuprimidos e os pacientes com câncer. Você assumir o risco de não tomar, é individual, mas não podemos passar esse vírus maldito para as pessoas. É egoísmo. Essa é a minha luta".
Felipe Victor Barbosa, 35 anos, técnico de enfermagem do Hospital Azevedo Lima, em Niterói, e do Hospital Che Guevara, em Maricá
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Dá para dividir minha jornada em início, meio e, espero, em breve, reta final. No início, trabalhava apenas no Azevedo Lima. Quando inaugurou o hospital de Maricá (o Municipal Che Guevara), fiz a inscrição e passei a trabalhar na escala de um plantão de 24h semanais. Arrumei esse outro emprego para ajudar, suprir a demanda da população. Em Maricá, tenho contato ainda mais direto com os pacientes infectados.
Carrego paciente no colo, dou medicação. Minha exposição é altíssima, então minha rotina foi toda alterada. No começo fui para o apartamento da minha mãe, me afastei da minha esposa, depois voltei para casa e, aí, ela quem se isolou porque pegou Covid-19. Então, além da tensão do trabalho, que é imensa, há essa tensão no nosso dia a dia. Eu, que não peguei o vírus, fico na expectativa: vou pegar hoje? vou pegar amanhã? E trabalhando, vendo pessoas morrerem, algumas da minha idade. Vejo tudo de perto, preparo corpo. É muito selvagem.
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Fui voluntário da Coronavac na campanha que eles fizeram em Niterói. Mandei um e-mail para eles manifestando meu interesse e logo fizeram contato. A pesquisa foi feita de forma muito profissional. Tomei minha primeira dose em setembro, e depois deu mais um mês e meio e tomei a segunda. Faço visitas frequentes lá na pesquisa, colho sangue. Não tive absolutamente nenhuma reação e sigo sem pegar doença. Acho que tomei o placebo, mas isso corre em segredo, eu não sei. De qualquer forma, espero muito que essa pesquisa ande logo e saia. Só a vacina mesmo para nos tirar desse inferno e nos dar um acalanto".
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Médica recuperada da Covid-19: 'Não teria conseguido sem apoio da minha família'
A pandemia também atingiu quem está na linha de frente para curar. Marcia Ferreira, médica cardiologista do Complexo Hospitalar de Niterói, foi infectada no início da pandemia e precisou se afastar das duas unidades de saúde onde trabalha.
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Marcia Ferreira, 48 anos, médica cardiologista do Complexo Hospitalar de Niterói
Um dia, cheguei em casa com muita dor. Por isso, já imaginei que pudesse estar infectada. Logo me isolei totalmente, pedindo que minha família mantivesse distância. Como tive sintomas leves, como dores no corpo e coriza, não precisei ser internada. Além disso, tenho em casa um medidor de oxigênio - portanto, sabia que não estava sofrendo graves riscos.
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Meu marido, no começo, ficou muito preocupado com a minha saúde. Já meu filho do meio se mostrava otimista, pois dizia que eu sempre conseguia dar a volta por cima. Quanto ao mais novo, precisamos educá-lo sobre a doença e sobre o que não fazer, pois às vezes abria a porta do quarto para checar se eu estava bem. Dizia que queria construir uma máquina para me curar. Minha maior preocupação, no começo, era fazer de tudo para não infectar meu marido e meus filhos. Foram sete dias em que eu não saí do quarto para nada. O mais longe que chegava era até a porta para receber as refeições que minha família me deixava.
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Fico motivada ao ver profissionais da saúde engajados e otimistas durante uma época tão complicada. Ficar afastada para me cuidar foi importante para recompor minha energia. Mas é preciso voltar. Eu estou pronta para voltar à atividade.