Os números divulgados essa semana são alarmantes: no Rio de Janeiro 338 mulheres foram vítimas de violência em 2020. Desse total, 161 sofreram tentativa de feminicídio ou agressão física, 50 foram mortas por serem mulheres e outras 38 foram vítimas de violência sexual ou estupro. O levantamento faz parte de um relatório do Observatório Elas Vivem. Alertar e apoiar as mulheres e fornecer uma rede de apoio é um dos principais desafios de Joyce Trindade à frente da Secretaria Especial de Políticas e Promoção da Mulher do Município do Rio.
Formada em Gestão Pública pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Joyce tem 24 anos e um histórico de luta por igualdade, contra o racismo, respeito à diversidade, entre outras questões fundamentais para o povo preto e favelado. Criada em Cosmos, na periferia da Zona Oeste, a secretária co-fundou o Projeto Manivela, que leva Gestão Pública para dentro de favelas da cidade. Às vésperas do Dia Internacional da Mulher, Joyce contou a O DIA o papel da secretaria que chefia e alguns projetos em andamento.
Muito se fala em políticas de promoção da mulher que, aliás, é nome da secretaria. Qual é o principal papel da pasta?
A Secretaria Especial de Políticas e Promoção da Mulher tem como propósito formular, coordenar e articular políticas públicas e serviços que garantam os direitos das mulheres da cidade, combatendo as discriminações, enfrentando as violências contra as mulheres, proporcionando acolhimento e potencializando suas capacidades.
Estamos atuando em alguns eixos principais: autonomia econômica e liderança feminina; saúde integral da mulher e cuidados; enfrentamento às violências; direito à cidade; dados, inovação e monitoramento; e educação para equidade, antirracismo e cidadania.
Tudo isso, levando em conta diversas interseccionalidades como os grupos LGBTI, a cultura, a sustentabilidade e o meio ambiente, a participação cidadã, entre outras.
Há menos de 3 meses no cargo, deu para fazer um mapeamento da condição das mulheres no Rio?
Foi a primeira pergunta que nos fizemos ao assumir a gestão: qual a situação das mulheres da nossa cidade? Quais as suas demandas? Faltam indicadores com esse recorte, muitos dados existem, mas acabam não sendo tratados com um olhar específico para as mulheres. Precisamos mapear e conhecer a mulher carioca em todos os territórios e em suas particularidades para também compreender suas necessidades.
Agora em março vamos lançar o projeto do Mapa da Mulher Carioca, um consolidado de dados e indicadores de gênero com base nos números públicos de outras secretarias, como educação, saúde, cultura, transporte, trabalho e renda, planejamento urbano, assistência social, fazenda e juventude.
Os indicadores do mapa poderão ser usados por todas as secretarias para criar políticas e serviços, pois a pauta das mulheres é transversal. As informações levarão a um plano municipal para as mulheres, mas também objetivam incidir no plano diretor e nos instrumentos financeiros e orçamentários da cidade.
Quais são os pontos que necessitam de enfrentamento imediato?
Entendemos duas frentes como bastante emergenciais: O enfrentamento às violências com um olhar amplo de promoção de direitos e o acesso a trabalho e renda. Precisamos expandir o trabalho das Casas da Mulher Carioca e o atendimento do CEAM.
Além disso, encontramos as Casas da Mulher Carioca com problemas estruturais para realização dos serviços. As equipes têm buscando manter os atendimentos mesmo neste contexto, somado à pandemia. Somente em janeiro de 2021 foram realizados 822 atendimentos, contemplando mais de 500 mulheres, nestas Casas.
Porém, é urgente resolver esses problemas estruturais e impulsionar ainda mais o alcance dos serviços. Estamos olhando para a questão da importunação sexual nos transportes, construindo um plano de enfrentamento a essa violência com capacitação dos agentes públicos de transporte, comunicação e um serviço de notificação.
Quanto à autonomia econômica, considerando a elevada taxa de desemprego entre mulheres fluminenses, que ultrapassa a média nacional de desempregados, criamos o Programa Mulheres do Rio, um cadastramento que nos ajuda a entender a influência do índice de desenvolvimento humano sobre cada território e como ele incide sobre a vida da mulher.
Também olhamos o Programa de Integração Social e buscamos entender quando e no que ela trabalhou. Tudo isso para gerar um encaminhamento mais efetivo para vagas de empresas, que atendam a uma priorização de vulnerabilidade social.
Um quadro triste que ocorre diariamente é a violência contra a mulher, além do aumento absurdo de feminicídios. A secretaria tem alguma ação no sentido de garantir e promover a segurança destas mulheres vítimas de violência?
A atuação da Secretaria de Políticas e Promoção da Mulher e das demais políticas setoriais devem estar baseadas na prevenção, que passam por uma série de ações como a execução e o acompanhamento de medidas protetivas, saúde, educação e inclusão socioeconômica. Nossa secretaria está se baseando nesse conjunto de ações e na fundamental parceria com as demais secretarias e equipamentos públicos.
É importante reforçar que contamos com um Centro Especializado de Atendimento à Mulher no município e o atendimento não está condicionado à denúncia, no caso das mulheres que querem buscar ajuda, mas ainda não se sentem encorajadas a denunciar. As Casas da Mulher Carioca em Realengo e Madureira também fazem o primeiro atendimento destas mulheres.
Vamos lançar o Pacto Municipal de Enfrentamento às Violências contra a Mulher, que tem por objetivo unir e alinhar esforços para atuação coordenada e integrada e a realização, compartilhamento e sincronização de ações voltadas à prevenção e ao combate à violência contra as mulheres com diversos atores.
Muitas mulheres vivem nas ruas do Rio, várias delas têm filhos pequenos e a vulnerabilidade fica muito maior. A secretaria tem algum projeto de reinserção dessas mulheres no mercado de trabalho com o oferecimento de cursos?
As Casas da Mulher Carioca em breve retomarão os cursos de capacitação para ampliação do acesso das mulheres à renda e ao mercado de trabalho, educação e orientação profissional. Os cursos foram paralisados com a pandemia, mas estamos trabalhando para retomá-los de forma segura.
Lançaremos ainda neste mês o Projeto Mulher Cidadã que busca conectar mulheres que desejam compartilhar seus conhecimentos com outras mulheres, formando uma verdadeira rede de trocas e aprendizado abrangendo os mais diversos territórios da cidade, com local de atuação nos diferentes equipamentos públicos.
Quais os principais problemas encontrados no universo feminino no Rio e como resolver?
Estamos atuando nos eixos que identificamos como prioritários para a Mulher Carioca, como autonomia econômica, enfrentamentos às violências, saúde, educação, direito à cidade. Precisamos fortalecer, ampliar e integrar os serviços de atendimento e promoção das mulheres.
Além disso, acreditamos no impacto de construir parcerias com as demais secretarias, subprefeituras, autarquias e fundações. No dia 8 de março, vamos assinar uma série de protocolos de intenção que pretendem a inserção de políticas para as mulheres de forma transversal às diferentes pastas e áreas de atuação na cidade.
Por fim, o que esperar da secretaria nos próximos anos?
O legado que queremos deixar é a perenidade das políticas e serviços destinados às mulheres da cidade, pois é inconcebível esta pauta não ser prioridade em todos os governos e gestões. Sofremos um grande retrocesso nos últimos quatro anos, com a mudança de status da secretaria para subsecretaria, diminuindo investimentos e a atenção necessária aos equipamentos, programas e para a política para mulheres como um todo. A retomada da secretaria, com mais autonomia e capacidade de gestão, mostra o compromisso da prefeitura com a pauta.
Também queremos deixar um plano municipal para as mulheres, baseado em dados e evidências, ressaltando que esta é uma política intersetorial e que precisamos priorizar as mulheres que representam mais de 53% da população carioca. Quando a vida das mulheres melhora, a vida de todos na cidade também é impactada positivamente. Somos profissionais, mães, educadoras, enfermeiras, estamos em todos os espaços e a nossa presença é transformadora.
Queremos que no futuro, ao pensar em educação, transporte, saúde, segurança, ou em qualquer área da cidade, sempre exista um olhar dedicado às mulheres e as suas especificidades, promovendo a equidade, a vida e potência de todas nós.