Monica Benicio destaca a importância de se combater a violência contra a mulher
Monica Benicio destaca a importância de se combater a violência contra a mulherArquivo Pessoal
Por Fernando Faria
Os ditados representam quase sempre a essência da sabedoria popular. Quase sempre. Não podemos concordar e muito menos compactuar quando ouvimos, por exemplo, a expressão "em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher". Nada é mais omisso, cruel e leviano. Afinal, um feminicídio no Brasil é cometido a cada duas horas — ou seja, uma mulher perde a vida pelo fato de ter agido de uma forma não tolerada pela estrutura machista. Um desconhecido também pode cometer feminicídio, mas, de um modo geral, em mais de 90% dos casos o assassinato tem como responsável o parceiro ou ex-parceiro.
Preocupada com o avanço do problema, a vereadora Monica Benicio (PSOL), viúva da vereadora Marielle Franco, assassinada em atentado em 2018, ao lado do motorista Anderson Gomes, apresentou à Câmara do Rio projeto de lei que institui o Programa Municipal de Enfrentamento ao Feminicídio. Entre os objetivos, estão o fortalecimento das redes de combate à violência contra a mulher, a criação de fluxos de atendimento às vítimas e o aprimoramento dos serviços de assistência social. 
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A proposta estabelece a ampliação e garantia de abrigos para acolhimento provisório de mulheres e seus dependentes; a formação e sensibilização dos agentes públicos; campanhas e ações educativas permanentes; e a disponibilização para as mulheres em situação de violência e sobreviventes de feminicídios, se assim desejarem, de serem incluídas em programas municipais relacionados ao trabalho, à geração de renda, à economia solidária, à capacitação profissional e à habitação. 
Monica Benicio diz que o projeto também é uma forma de homenagear a ex-companheira: "O enfrentamento à violência contra as mulheres e a luta pela vida das mulheres eram prioridades da Marielle em toda a sua trajetória". Segundo Monica, uma das metas é romper a lógica de que somente a área de segurança pública seja envolvida no enfrentamento ao feminicídio. 
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Confiante na aprovação da proposta na Câmara Municipal, ela vê dois desafios: "O primeiro é que a sociedade tem que parar de aceitar a violência contra as mulheres. Hoje, já vemos o feminicídio ser tratado como inaceitável, o que é um grande avanço. Mas é a violência extrema. Parar as várias violências é também parar o feminicídio", adverte.
E acrescenta: "O segundo desafio é juntar as diversas áreas da prefeitura para enfrentar a violência contra a mulher e o feminicídio, com ações das diversas secretarias, passando pela saúde, assistência social e até políticas de renda e moradia, com orçamento específico. É aqui que está a potência desse projeto: rompermos com a lógica de que as políticas municipais têm pouco a contribuir com o enfrentamento ao feminicídio".
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MONICA BENICIO, vereadora do PSOL
Esse projeto é também uma forma de homenagear a luta e a memória de Marielle Franco?
A Marielle dava muita atenção a essa pauta da violência contra a mulher e é realmente uma inspiração. Nesse sentido, o projeto é uma homenagem, sim. Legado é o que se deixa, mas também o que levamos adiante. Sem dúvida, o enfrentamento à violência contra as mulheres e a luta pela vida das mulheres eram prioridades da Marielle em toda a sua trajetória.
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Desde a luta da Marielle, quantas mortes poderiam ter sido evitadas…
É difícil dizer. Mas o pior é ter que fazer essa conta. Não deveria haver nenhum feminicídio, porque toda vida importa. Mas nós contamos nossas mortas todos os dias e nem sempre essas estatísticas são visibilizadas. Essa é uma das questões que precisamos tratar com o projeto. Quando uma mulher é morta por ser mulher, já sofreu muitas violências antes, no seu dia a dia. Violências que ninguém vê. O feminicídio é a ponta do iceberg. Por isso, é preciso romper a lógica de que apenas a área da segurança pública seja envolvida em seu enfrentamento.

Os principais objetivos são dar acolhimento às vítimas da violência e até mesmo um local seguro e alternativas de renda futura…
O projeto visa fortalecer a rede de atendimento às mulheres em situação de violência, seja na saúde ou na assistência social, e as políticas municipais que fortaleçam a autonomia das mulheres em situação de violência, seja no campo cultural, psicossocial ou de renda. Também tem como objetivos estimular políticas públicas articuladas em diversas áreas: segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho, habitação e cultura, para a efetivação de programas de prevenção e combate a todas as formas de violência contra as mulheres. Além de promover campanhas educativas permanentes sobre o tema e alertar não apenas para a necessidade de denunciar, mas também de identificar as violências que ocorrem e os órgãos de atendimento.

O feminicídio está mais presente nas camadas mais pobres da população? A falta de voz e de alternativas financeiras fazem dessas mulheres potenciais vítimas?
O feminicídio e a violência contra as mulheres estão presentes em todas as camadas sociais e níveis de escolaridade. No fim do ano passado, tivemos o caso da juíza Viviane Arronenzi aqui no Rio. Nenhuma de nós está salva. É duro dizer isso, mas precisamos encarar essa realidade. O feminicídio é fruto de uma cultura patriarcal, em que o corpo e a vida das mulheres são vistos como propriedades dos homens. Mas, sem dúvida, as condições materiais de cada mulher influenciam nas suas possibilidades de sair de uma situação de violência doméstica, que pode chegar ao feminicídio. Assim, ter um emprego, ter renda própria, ter acesso a programas de habitação são fatores que podem ser decisivos para que as mulheres possam (re)construir as suas vidas longe de situações de violência. Mas precisamos também de serviços públicos funcionando e acessíveis para atender às mulheres que denunciam ou estão tentando sair de uma relação violenta. Além da questão econômica, é preciso chamar atenção para a questão racial. No Estado do Rio de Janeiro 68,2% das vítimas de feminicídio em 2019 foram mulheres negras (Dossiê Mulher 2020 - ISP/RJ). Esses dados apontam para a necessidade do enfrentamento dos múltiplos fatores que vulnerabilizam as mulheres negras e as colocam em maior risco nos casos de feminicídio. Pela vida de todas as mulheres, o enfrentamento à violência contra as mulheres não pode estar descolado do enfrentamento do racismo e das desigualdades sociais.
Como a senhora avalia a receptividade ao projeto?
A receptividade tem sido muito boa e não vejo como poderia ser diferente. Alguém é a favor de não enfrentarmos o feminicídio? Estamos falando de um tema que aflige todos os dias as mulheres, apesar da sua luta e da luta de décadas dos movimentos feministas pela vida. O projeto é fruto da construção e escuta do nosso mandato junto aos movimentos feministas e a profissionais que estão na linha de frente do atendimento às mulheres em situação de violência. É um projeto necessário e urgente. Tenho confiança na sensibilidade da Câmara Municipal para aprová-lo rapidamente e tenho certeza de que o prefeito Eduardo Paes vai determinar às secretarias que seja implementado com a urgência que o tema exige.