O porta voz da Rio Ônibus, Paulo Valente, mencionou que a queda de 50% no faturamento das companhias de ônibus, influenciando na piora do serviço na cidade
O porta voz da Rio Ônibus, Paulo Valente, mencionou que a queda de 50% no faturamento das companhias de ônibus, influenciando na piora do serviço na cidadeDivulgação / Rio Ônibus
Por Jorge Costa*
Rio - A crise que atinge o transporte público no Rio de Janeiro não é uma novidade, mas a chegada da pandemia trouxe um novo capítulo de agravamento das condições de mobilidade a que os passageiros estão sujeitos. No final de março, a lotação dos BRTs e a redução da quantidade de veículos oferecidos provocaram uma situação tão grave que a prefeitura precisou realizar uma intervenção para garantir a continuidade do serviço.
Para superar os problemas do transporte público, a Rio Ônibus - entidade que reúne os quatro consórcios da cidade - vem procurando soluções para garantir uma melhor sustentabilidade das concessionárias responsáveis pela oferta de veículos.
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Neste domingo (2), o porta-voz da Rio Ônibus, Paulo Valente, concedeu uma entrevista exclusiva ao DIA para falar a respeito dos problemas que as empresas vêm enfrentando e das dificuldades de manter o sistema em um cenário de crise sanitária e econômica. Ele destacou que não existe uma caixa preta com os dados financeiros das empresas e que a crise do transporte é visível para todos. Por fim, afirmou que as concessionárias não devem ser vistas como vilãs pela sociedade.

Confira a entrevista a seguir:

Estamos vivendo um dos momentos mais difíceis em relação ao transporte público por conta do agravo causado pela pandemia. Neste sentido, pergunto quais são as dificuldades que os consórcios vem enfrentando em relação à manutenção do serviço na cidade?

O setor já passava por uma crise que vinha se acentuando desde 2015. Pois estamos acompanhando uma queda no número de passageiros pagantes transportados, são eles que sustentam todo o sistema. Com a chegada da pandemia, houve uma piora no cenário, com a retração econômica e mudança de hábitos, como home office e delivery. Aconteceu que no primeiro momento houve uma queda de 80% dos passageiros transportados, o que se estabilizou em torno de 50%. De uma hora para outra, as concessionárias perderam em média 50% da receita, então tiveram que enxugar as suas operações para continuar funcionando com o número de frotas reduzidas, algumas linhas até paralisadas. Mas isso não foi suficiente para reequilibrar o sistema, porque reduzimos os gastos variáveis. Contudo, precisamos pagar os porteiros, a conta de luz, a conta de água, prestações, então há muitos custos fixos que não é possível reduzir, o que nos deixa em uma situação de inadimplência agravada.

Apesar do aumento da pobreza nas cidades, a Rio Ônibus enxerga no reajuste da tarifa uma solução para socorrer as empresas, visto que é esta classe que mais depende do transporte público?

Nós temos uma preocupação na Rio Ônibus de ter cuidado para não encarecer demais a passagem, pois quanto maior a tarifa, menos usuários vão ter acesso ao sistema de ônibus, mas às vezes a tarifa precisa subir não pela nossa vontade, mas por necessidade. Quanto custa operar todo o sistema? No caso do município do Rio, temos em torno de 20% de gratuidades, quem mora distante ou perto do seu destino de trabalho paga o mesmo valor, e temos políticas como o Bilhete Único. A tarifa cobrada ao passageiro pagante é R$ 4,05, mas o custo se fosse partilhado para todos os outros usuários ficaria em R$ 2,84, que é toda a receita auferida, dividida pela quantidade de passageiros transportados, descontado as integrações. Se não conseguimos a remuneração pelo serviço, que qualidade poderemos garantir? Cobram da gente uma qualidade que não nos dão condição de oferecer. Isso tem que ser explicado à população, é muito mais fácil ter um vilão para colocar a culpa.

Quais seriam as alternativas vistas pela Rio Ônibus que pudessem não envolver o reajuste da passagem, garantindo a melhora do serviço e a sustentabilidade das empresas?

Entre as medidas que podem ser adotadas para não aumentar a tarifa, uma delas é aumentar a quantidade de passageiros pagantes, os que sustentam o transporte público na cidade. Como? Acabando com o transporte clandestino, colocando as vans operando no itinerário correto, e com o poder público regulamentando os aplicativos de mobilidade. Assim sendo, haverá um retorno dos usuários pagantes para o sistema de ônibus. Então se aumenta a quantidade deles e diminui a pressão relacionada ao aumento da tarifa. Esse é um fator que pesa muito na hora de segurar o preço do serviço.
Em relação aos números, o que seria necessário em questão de valores para que as empresas pudessem voltar a oferecer um serviço de qualidade no Rio?

Vamos fazer uma regra de três. O que aconteceu no BRT? A prefeitura verificou que o sistema do BRT equivale a 10% dos passageiros transportados nos ônibus. Ela precisou fazer um aporte de R$ 133 milhões em seis meses, o que equivale a R$ 22 milhões por mês. Isso para atender 10% do transporte por ônibus. Então, terminando a nossa regra de três, os outros 90% custariam nove vezes esse valor. Para se ter um transporte de qualidade e se operar com toda a frota, reativando as linhas e melhorando a questão da manutenção, com os salários dos funcionários em dia e impostos em dia, eu estimo que seria necessário por mês um valor de R$ 180 milhões. Pois se levarmos em conta, os números que nós perdemos desde o início da pandemia, no primeiro ano as empresas do Rio perderam R$ 2 bilhões de receitas. Esse valor dividido por doze meses dá esse valor aproximado de R$ 180 milhões por mês. Se tivéssemos esse aporte, poderíamos voltar a oferecer um serviço de melhor qualidade que a população precisa tanto neste momento.
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A prefeitura estuda retirar a isenção fiscal do Imposto Sobre Serviço (ISS) das empresas de transporte para aumentar a arrecadação do município. Em que proporção o senhor considera que essa ação pode prejudicar as concessionárias de ônibus?

O ISS pago hoje pelas empresas foi uma forma que a prefeitura buscou em um contrato de 2010, como uma alternativa para os usuários que pagavam efetivamente a passagem. Foi quando se adotou o Bilhete Único. Para isso, a tarifa de 5% foi reduzida para 0,1%, o que foi considerado um custo simbólico. Caso seja retirada a isenção, o valor será repassado para o passageiro. Em um primeiro momento as empresas vão absorver os custos, mas no final quem poderá ficar mais prejudicado são os usuários.
*Estagiário sob supervisão de Bruno Ferreira