Funcionários contam que idosos eram amarrados para não passearem em casa de repouso na Freguesia
Em uma foto obtida pelo DIA, um idoso, que teve a identidade preservada, aparece amarrado pelo peito em uma cama sem lençol e com as pernas travadas por um tecido, que seria uma camiseta
Rio - Profissionais que trabalharam no Residencial da Terceira Idade Braga Filho, em Freguesia, relataram ao DIA uma série de irregularidades cometidas no lar para idosos. O estabelecimento está interditado para receber novos internos e é investigado pela polícia por maus-tratos. Sob anonimato, três funcionárias que trabalharam no local contam que além de sofrerem com fome e falta de higiene, apesar das mensalidades de R$ 4 mil, os idosos eram amarrados nas camas em lençóis, até mesmo durante o dia, por falta de cuidadores para acompanhá-los.
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"Eles eram contidos na cama. Uma gostava de passear, de ficar olhando a piscina e eles continham (os internos) pelo braço na cabeceira porque não queriam ter trabalho de ir atrás. Essa idosa ia na cozinha pra pedir comida", conta uma técnica em enfermagem que trabalhou no residencial. Ela explica que a contenção é um procedimento eventual, alvo de debates entre profissionais. "Às vezes ele é usado para evitar que idosos caiam da cama, mas não deve ser uma regra. Nesta casa, o paciente era contido para não ir à cozinha ou não passear, mesmo durante o dia", relembra. Em outras casas de idosos que trabalhou, o procedimento não é utilizado.
Em uma foto obtida pelo DIA, um idoso, que teve a identidade preservada, aparece amarrado pelo peito em uma cama sem lençol e com as pernas travadas por um tecido, que seria uma camiseta. Uma familiar flagrou a situação e fez o registro fotográfico durante uma visita de domingo. "Já era meio-dia e o encontrei nessa situação. Sem ter comido, nem tomado banho, amarrado e chorando", conta.
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Em comum, as três ex-funcionárias contam que não trabalhavam de carteira assinada, não recebiam dinheiro para passagem e foram demitidas por discordarem do tratamento reservado aos idosos da casa.
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Uma das ordens questionadas era a de macerar comprimidos nas refeições para que os pacientes ficassem sedados.
"Não sabemos nem se era remédio para dormir. Mandavam macerar no suco, na comida. Eram medicamentos sem embalagem. Os idosos ficavam no sofá. Não tinha atividade nenhuma. A gente tentava fazer atividade, levava material de casa, e era interrompida pela direção. Muita gente lá sequer tinha curso de cuidador", acrescenta a técnica de enfermagem.
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Sem dinheiro para passagem, uma cozinheira e uma funcionária de limpeza contam que por vezes dormiram no local. "Pior coisa que tem é dormir lá: idosos gritando, pedindo água, com sede. Eles amarravam os idosos para dormir", conta uma ex-faxineira. As duas relatam que também havia infestação de ratos.
Até produtos de limpeza, como água sanitária, álcool e sabão em pó, faltavam na casa. A responsável pela faxina conta que 'se virava' com água, vassoura e sabonete para limpar o local. "Eu não aguentava e dava banho nos idosos, cortava unhas porque eles eram muito largados", conta a responsável pela limpeza. As fraldas eram de responsabilidade da família, mas mesmo assim eram economizadas. "Só trocavam de manhã e antes de dormir", conta a técnica de enfermagem.
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A cozinheira também diz que a direção queria economizar nas refeições. "Faltava manteiga, temperos, legumes e eu tirava do meu bolso", lembra. Após sua saída, funcionárias relatam que as refeições se restringiam a biscoito de sal e água. "Comida era resto: batia tudo no liquidificador e dava. Foi a pior experiência da minha vida", lembra a técnica de enfermagem, que trabalhou por poucos meses no local.
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O Instituto Municipal de Vigilância Sanitária (Ivisa-Rio) passou a fazer uma fiscalização semanal na casa de repouso e foi exigida a presença de um médico para assistência dos idosos ainda institucionalizados. Além disso, foram feitos quatro termos para adequações estruturais e de processo de trabalho. A reabertura da casa está condicionada ao cumprimento de todos os termos.
Policiais da Delegacia Especial de Atendimento à Pessoa da Terceira Idade (DEAPTI), com apoio da Vigilância Sanitária e da Secretaria Municipal do Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida (SMESQV) cumpriram mandados de busca e apreensão expedidos pela Justiça na casa de repouso, na Freguesia, Zona Oeste do Rio. Foram apreendidos no local mantimentos impróprios para consumo, receitas médicas com irregularidades, além de constatarem diversos problemas que iam de encontro às normas exigidas por lei para o funcionamento de uma casa de repouso para idosos. A reportagem pediu atualização da investigação nesta sexta-feira, mas não obteve retorno.
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A Vigilância Sanitária classificou o local como de risco sanitário elevado. A casa foi multada em R$ 3.937 e está vedada a receber novos pacientes até que as medidas necessárias para adequação às normas sanitárias sejam tomadas.
O DIA entrou em contato com a defesa da casa, mas não obteve retorno. O espaço está aberto para manifestação.