O professor Wallace dos Santos de Moraes: representação protocolada no IFCS pede que sejam apurados atos de discriminação contra o docenteCléber Mendes

Rio - O cientista político e historiador Wallace dos Santos de Moraes, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ, denuncia ter sofrido discriminação de cunho racista durante reunião virtual da banca que iria escolher um novo professor adjunto para o instituto. O encontro aconteceu no dia 11 de agosto. Na ocasião, o professor conta que foi excluído da banca sob argumentos de que seria 'brigão', 'desequilibrado', e que não teria equilíbrio emocional para estar ali, além de se vitimizar constantemente por ser negro.

Para Wallace de Moraes, professor associado do Departamento de Ciência Política e dos Programas de Pós-Graduação em Filosofia e História Comparada da UFRJ, os ataques têm motivação racista. Ele entrou com uma representação administrativa, na tarde desta quinta-feira, no IFCS, pedindo que a universidade abra sindicância para apurar o caso. A UFRJ confirmou que vai investigar o episódio (veja nota na íntegra no fim da matéria).

"O coordenador da banca, que foi endossado por outros professores, não chegou a me chamar de 'macaco', não chegou a jogar uma casca de banana em cima de mim. Mas usou argumentos subjetivos para me desabonar, apesar de eu ter sido indicado e preencher todos os requisitos acadêmicos e técnicos para estar ali. Isso não cabe na administração pública. Quando se usa esses tipos de argumentos, subjetivos, contra um professor negro do instituto, é uma forma de discriminação de cunho racista sim. Tem coisas que não precisam ser ditas para serem entendidas", diz o professor, que prossegue:

"Costumo dizer para os meus alunos que, na nossa sociedade, o negro e o indígena são bem-vindos, desde que obedeçam, desde que sejam dóceis com seus patrões, seus mandatários. Se você não se submete a esse padrão, as pessoas criam adjetivos para você, como 'desequilibrado', para desqualificá-lo. Isso acontece muito em nossa sociedade e nunca assumem que é racismo. Mas eu entendo que sim. Humilhar um corpo negro faz parte do cotidiano da sociedade brasileira".

O episódio gerou protestos na comunidade acadêmica. Na internet, circula um abaixo-assinado criado pelo Coletivo de Docentes Negras e Negros da UFRJ pedindo que a universidade abra uma investigação interna para apurar situação de discriminação racial contra o professor Wallace dos Santos de Moraes. O documento contava com 1.864 assinaturas na tarde desta quinta-feira.

"Os pronunciamentos de alguns professores em contrário a esses atos de discriminação com relação ao prof. Wallace, único negro do Departamento, não surtiram efeito e a maioria vetou sua participação na banca. Por que o professor Wallace, com a qualificação exigida para tal, não foi incluído na composição dessa banca?", questiona o documento.

O texto conclui que há evidência de racismo no episódio. E defende que, caso atitudes racistas ou discriminatórias sejam comprovadas na apuração interna, que medidas legais e administrativas sejam tomadas para punir os envolvidos.

"As mudanças históricas e sociais no aspecto do racismo estrutural e institucional precisam ser objeto de adequada verificação, pois a extirpação dessas condutas deletérias de racismo não se faz apenas com denúncias ou com repúdio moral ao crime de racismo: depende, antes de tudo, da tomada de posturas efetivas, implementação de políticas públicas eficazes e da adoção de práticas antirracistas que estejam presentes em todos os aspectos das relações de poder que existam na estrutura da Universidade", diz o texto do abaixo-assinado.
Em resposta ao abaixo-assinado, professores do Departamento de Ciência Política (DCP) do IFCS/UFRJ afirmam que a decisão de excluir o professor Wallace dos Santos de Moraes da banca não foi individualizada. Segundo a nota, optou-se por excluir da banca todos os docentes do departamento, em razão de discordâncias internas diante do processo de renovação do DCP com a admissão de novos professores.
A nota é assinada pelos professores Josué Medeiros, o coordenador da banca na ocasião, Pedro Luiz Lima, Thais Aguiar, Daniela Mussi, Jorge Chaloub e Mayra Goulart. O texto nega que tenha havido racismo. Porém, admite que 'a UFRJ como um todo e nosso departamento em particular são atravessados por dinâmicas e relações de racismo estrutural'.
"Diante disso, reafirmamos um compromisso com uma agenda institucional antirracista prática na UFRJ, no IFCS e no DCP. Agenda com a qual buscamos e buscaremos sempre colaborar. Entendemos, também, que a imputação de atos racistas individuais é uma acusação de outra ordem, de extrema gravidade para a vida da universidade e do nosso departamento. Os que estavam presentes na reunião consideram que a descrição dos eventos contida na petição (abaixo-assinado) não é minimamente condizente com a realidade dos fatos", diz a nota, que também pede que a UFRJ faça uma apuração interna sobre os fatos ocorridos na reunião.
Segundo o Babalawô Ivanir dos Santos, professor e orientador no Programa de Pós-Graduação em História Comparada da UFRJ e Conselheiro Estratégico do Centro de Articulações de Populações Marginalizadas (Ceap), a discriminação contra Wallace de Moraes configura o que chamou de 'racismo à brasileira':

"Precisamos compreender que uma das formas mais perversas do 'racismo à brasileira' em nossa sociedade é tentar infantilizar, desclassificar e desmoralizar a capacidade das pessoas negras nos espaço de poder. E não podemos deixar de pontuar que as universidade também são espaços de poder. E foi, por muito tempo, nesse espaços que nós, pessoas negras, fomos objetificados e classificados como seres inferiores. Ao entrarmos nesses espaços de poder, além de 'balançar' as estruturas hegemônicas que tentam nos condicionar ao fracasso, começamos a reescrever as nossas histórias a partir das nossas experiências e também a pautar as nossas lutas contra todas as formas de opressão".
 
Advogado vai acionar Justiça Federal

O advogado Gustavo Proença, que assessora juridicamente o professor Wallace dos Santos de Moraes, afirma que, além do pedido de investigação interna na UFRJ, vai dar entrada na Justiça Federal com uma ação criminal.

"A gente entende que houve uma conduta discriminatória, injuriosa e caluniosa. Considerando que ele era o único professor negro, que ele tinha a qualificação técnica e acadêmica para participar da banca, além da pertinência de suas pesquisas. A gente entende que a única coisa que explica essa postura discriminatória é a motivação racial", diz o advogado

"Esse episódio foi o estopim para mim. Não suporto mais e preciso dar publicidade a isso. Já passei por diversos episódios semelhantes na universidade. Tive um artigo vetado em que afirmei que havia racismo no IFCS, onde há 78 professores e apenas dois negros, sendo que eu estou ali desde 2012 e o outro entrou há cerca de um ano. Também tive uma proposta de criação de uma disciplina que discutia o racismo na política brasileira vetada, entre outros exemplos cotidianos", afirma o professor Wallace.

Reitoria da UFRJ vai apurar o episódio

Em nota, a Reitoria da UFRJ informou que 'serão tomadas todas as providências cabíveis para apurar o caso'. Confira a nota na íntegra:

A Reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro acompanha os desdobramentos da denúncia de provável conduta imprópria e de conotação racista perpetrada por servidores públicos do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Ifcs). Cabe à direção do instituto abrir processo de sindicância para apurar os fatos. A denúncia foi formalizada na terça-feira, 24/8. Por isso, a comissão responsável pela apuração das circunstâncias ainda está sendo formada, com a necessária presença de servidores negros e negras na composição.

Diariamente, a maior instituição de ensino superior brasileira busca aperfeiçoar procedimentos e práticas inclusivas e igualitárias, repudiando o racismo e introduzindo condutas antirracistas. A Reitoria da UFRJ informa que serão tomadas as providências cabíveis para apurar o caso, de acordo com a legislação vigente e garantindo o direito à ampla defesa e ao contraditório.