Câmara vota polêmico projeto que pode transformar imóveis históricos em espaços comerciais
Imóveis tombados e preservados podem virar restaurantes, hotéis, escolas e outros negócios que gerem retorno financeiro
Imóveis históricos que podem deixar de ser tombados pra virar projetos comerciais, na foto Solar dos Abacaxis na rua Cosme Velho 857, Cosme Velho Rio de Janeiro, nesta terça feira (14). - Marcos Porto/Agencia O Dia
Imóveis históricos que podem deixar de ser tombados pra virar projetos comerciais, na foto Solar dos Abacaxis na rua Cosme Velho 857, Cosme Velho Rio de Janeiro, nesta terça feira (14).Marcos Porto/Agencia O Dia
Rio - A Câmara de Vereadores vota esta semana o Projeto de Lei Complementar (PLC) 136, apresentado pela gestão de Crivella em 2019 e alterado pela atual administração municipal, que tem como finalidade recuperar imóveis tombados e preservados que estão em estado de deterioração transformando-os em residenciais, condomínios ou comércios.
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A medida inclui os imóveis protegidos no Centro e Zona Sul, regiões da cidade que concentram a maior parte dos bens tombados, como o Solar dos Abacaxis, no Cosme Velho, que está abandonado e já não ostenta mais os abacaxis na fachada que deu o nome ao casarão.
Na Urca, são cerca de 250 imóveis elegíveis a essa alteração, que poderia movimentar o bairro conhecido por ser tranquilo e com poucas garagens. Por conta disso, a prefeitura retirou o local do projeto. A Coordenadora da Comissão de Política Urbana, do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio, Rose Compans, diz que a preocupação do órgão é justamente a realização de estudos nos bairros afetados pela mudança e dá o exemplo do que aconteceria na Urca.
"A Urca que tem ruas com 6 metros, se todas as casas preservadas forem transformadas em restaurantes, hotéis, escolas, em atividades econômicas que geram tráfego, o sistema viário do bairro não vai comportar, então a gente acha que vai ter que estudar cada caso, cada bairro. A prefeitura não apresentou nenhum estudo do impacto dessas mudanças nesses bairros", pontuou a arquiteta e urbanista.
O secretário municipal de Planejamento Urbano do Rio, Washington Fajardo, discorda. Segundo ele, o objetivo do projeto é reutilizar áreas já construídas e que por isso não há necessidade de um estudo mais elaborado sobre a mudança desses imóveis para fins econômicos.
"Essa crítica não se fundamenta porque estamos falando de imóveis que já existem, eles atendem à função residencial. Quando a gente fala de uma função, de uma atividade econômica, pode ser escritório de arquitetura ou estúdio de pilates, e essa mudança não traz aumento de carga de carro", disse.
A prefeitura alega que a conversão irá assegurar a manutenção das características de patrimônio cultural dos imóveis e “contribuir para sua permanência na paisagem urbana, através de atribuição de nova função ou uso apropriado”, justifica.
A proposta prevê a reconversão de cerca de 1.700 imóveis tombados da cidade e os mais de 10 mil preservados. Os imóveis entendidos como preservados são os inseridos em Área de Proteção do Ambiente Cultural (Apac) ou em Área de Entorno de Bem Tombado (Aebt), que compõem os conjuntos urbanos de interesse do patrimônio cultural e não podem ser demolidos.
Os edifícios poderão ser utilizados como sede de escritórios, clínicas médicas, unidades de ensino, galerias de arte, serviços de educação, e hotéis. Nessa medida, um único imóvel pode ser dividido em várias unidades desde que as alterações sejam aprovadas pelo Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural para que as características históricas sejam mantidas.
A medida é polêmica e divide os parlamentares. A vereadora Tainá de Paula (PT), presidente da Comissão de Urbanismo da Câmara, explica que o imóvel tombado não pode ter construções em seu lote, o que a PL prevê caso seja aprovado pelo órgão de tutela.
“O PLC permite o parcelamento de um imóvel tombado [...] Quando tombo uma residência e o seu lote, eu não estou tombando apenas a fachada, eu tombo a envoltória, a sua paisagem, a visada que eu tenho deste imóvel. Existe o motivo de eu cravar o instrumento de tombamento que está diretamente relacionado à possibilidade de visualizar este imóvel a uma determinada distância, coisa que pode ficar prejudicada com a possibilidade de construção de unidades”, explicou.
Tainá também complementa que o interior dos imóveis pode ser prejudicado com as alterações prescritas na PL que prevê subdivisões nos casarões. O líder do governo na Câmara, o vereador Átila Nunes (MDB) explica que a cidade do Rio tem um déficit na legislação referente aos imóveis históricos e explica que o PLC tem como objetivo prover a manutenção correta e acabar com abandono dessas peças.
“O Rio de Janeiro é uma cidade histórica, temos mais de 12 mil imóveis preservados [...] Muitos desses imóveis estão depreciados, correndo riscos, eles ficam tão degradados que chegam até a cair, já vimos acontecer várias vezes. Esse PLC tem o objetivo de dar as condições necessárias para que esses imóveis recebam uso através da reconversão”, explica.
Segundo ele, os casarões abandonados são de propriedade privada que geram custos altos para os proprietários e sem condições, deixam os imóveis sem manutenção adequada. “Se o proprietário herda um casarão com 3 mil metros quadrados, com custo de manutenção de R$10 mil mensal, é um valor muito alto, em algum momento esse proprietário deixa de investir e o imóvel fica abandonado [...] O que estamos tentando é reverter isso. Permitindo modificações de baixíssimo impacto, para que pelo menos (os imóveis) tenham alguma função econômica”, completa.
O vereador Pedro Duarte (Novo) publicou um estudo favorável ao projeto de lei e explica que as edificações familiares tem como objetivo dinamizar as Zonas Residenciais Unifamiliares onde há a presença de imóveis de grande porte que já não são mais alvos de compradores criando o uso residencial multifamiliar. Essa operação será permitida nos Registro das Ações Ambulatoriais de Saúde de Botafogo, Lagoa, Tijuca (no Alto da Boa Vista), Vila Isabel (no Grajaú), Jacarepaguá, Santa Teresa e Barra da Tijuca e do Joá. A proposta é que seja permitida uma unidade residencial para cada 300m² de terreno, como forma de controle do adensamento.
Também serão alvo da medida edificações no bairro de Marechal Hermes, na Zona Norte, e em Santa Cruz, na Zona Oeste. Um dos principais fatores apontados como positivos pelos parlamentares favoráveis à medida, é que a reconversão dos imóveis deverá trazer retorno financeiro ao Município.
Em nota, Duarte disse ao Dia, que é favorável à PL para que os imóveis tenham novos usos e destaca a necessidade de que toda a mudança ocorra com o firmamento de que não haverá prejuízos ao patrimônio e lembra que no caso de imóveis tombados e preservados, as intervenções devem obedecer a uma série de parâmetros e ser aprovadas pelos órgãos de tutela do patrimônio, ou da qualidade de vida dos moradores.
“O PLC prevê usos que não causem prejuízo à vizinhança, demanda autorização do órgão de trânsito e pode requerer a aplicação de Estudo de Impacto de Vizinhança, a depender do porte da intervenção. Com o novo uso, essas edificações ganham a possibilidade de se reintegrar à vida e à dinâmica urbana contemporâneas", disse.
Em uma audiência pública, realizada no último dia 3, moradores apontaram alguns problemas com o projeto, como a ausência dos cidadãos na discussão. Regina Chiradia, da Federação das Associações de Moradores do Município do Rio de Janeiro, afirmou na Câmara dos Vereadores que os moradores vão lutar pelos patrimônios de seus bairros. “Ninguém é dinossauro, ninguém quer ver o patrimônio engessado, mas não queremos vendê-lo a qualquer preço”, afirmou.
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