Mas a arte, inclusive a da escrita, precisa ser porta-voz das dores que nos atingem coletivamente. Somos maiores quando lutamos por todos e nos apequenamos se pensarmos que o mal está longe de nósArte: Kiko

É manhã de quinta-feira, e começo a buscar dentro de mim as palavras para esta crônica dominical. Preciso enviar o texto no início da noite para que o Kiko possa dar início à arte da página. É da minha essência procurar poesia no mundo, mas o meu único método de escrita é o coração. E tenho sentido a inquietude dentro dele. Também faz parte de mim evitar o imperativo dos verbos que ordenam. Mas há momentos em que só um “basta” fala verdadeiramente por todos nós.
Escrevo isso pensando no que diariamente vejo através do meu trabalho no jornal: imagens e relatos das vítimas da violência em nosso país. A brutalidade e a crueldade estão escancaradas, e o pranto de quem fica por aqui é cortante demais. Em fotos, a imensurável dor de quem se despede de um ente querido nos silencia diante do computador. A gente se cala pela compaixão, mesmo sem conseguir dimensionar de fato tamanho sofrimento. Os casos de feminicídio, particularmente, se repetem de maneira alarmante. Neste domingo, nos 16 anos da sanção da Lei Maria da Penha, reverencio a farmacêutica que tornou a sua história como vítima em uma luta incessante por todas as mulheres. Ainda muito novo, o mecanismo é a nossa proteção legal, inclusive contra violências que começam de forma psicológica, camufladas como inofensivas. É imperativo que o ódio e o desrespeito ao feminino cessem.
A inquietude também revirou os meus pensamentos e sentimentos na terça-feira, quando aceitei um convite da minha amiga Claudia, professora de Inglês do Cefet, para acompanhar a visita técnica da turma de Turismo à Pequena África, na Zona Portuária do Rio. A atividade fazia parte da aula da professora Marcela Marques Serrano, de Sociologia. 
Quando o guia do Instituto Pretos Novos começou a conversar conosco, ainda no Largo São Francisco da Prainha, fiquei pensando no quanto de dor há na história daquele lugar, onde os africanos escravizados chegavam pelo Cais do Valongo. Ali mesmo, enquanto os jovens da turma iam se reunindo, falamos de episódios recentes de racismo. Em 2022, falta humanidade a muitos. Logo pensei que o tapete da Casa Porto, que eu já havia fotografado em outras ocasiões, carrega um sentido muito forte e imperativo ao ser estendido naquele território: “Racistas não passarão”. Nem ali nem em nenhum outro lugar.
Poderia seguir escrevendo sobre os crimes de ódio, como a homofobia, e tantos outros males que nos corroem e que me fazem, nesta crônica, não trazer a leveza e a poesia de que tanto gosto. Mas a arte, inclusive a da escrita, precisa ser porta-voz das dores que nos atingem coletivamente. Somos maiores quando lutamos por todos e nos apequenamos se pensarmos que o mal está longe de nós. Basta!