Lula foi eleito presidente neste domingoNELSON ALMEIDA / AFP

Após o resultado das eleições que consagrou Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, eleito o 39º presidente da República neste domingo (30) ao derrotar no segundo turno Jair Messias Bolsonaro (PL), especialistas relataram ao DIA a expectativa para o próximo ano, em relação ao governo, economia e políticas internacionais.

Lula foi eleito na noite deste domingo (30) com 50,90% dos votos, enquanto Bolsonaro teve 49,10% e foi o primeiro presidente não reeleito. A disputa foi a diferença mais apertada desde a redemocratização da nossa história.

Devido a diferença de votos ter sido a menor da história, a cientista política Juliana Fratini, doutoranda pela Puc-SP, informou acreditar que a polarização da sociedade deve afetar o modo do presidente eleito governar. Ainda segundo a especialista, outro fator que pode afetar o governo é um Congresso formado pela maioria dos políticos de direita. Isso porque o partido de Bolsonaro, PL, terá a maior bancada na Câmara dos Deputados e do Senado.

Na Câmara dos Deputados, a direita e a centro-direita terão, a partir do ano que vem, 374 representantes entre os 513 parlamentares. Já a esquerda e a centro-esquerda terão 132. No Senado Federal, dos 81 senadores, 54 serão da direita e 27 da esquerda.

“A polarização deve afetar o modo de governar, que pede uma política muito mais conciliatória e em certos aspectos sensível, ou seja, a respeito de entender a necessidade do outro, e  a pragmática em relação às demandas do Congresso. Este não é um governo lulista. Este é um governo de Frente Ampla que encontrou em Lula a liderança com mais musculatura para vencer o bolsonarismo. Este governo precisará ter um Ministro da Casa Civil com grande capacidade de negociação em um ambiente tão cheio de desavenças. Caso contrário, terá dificuldades com a governabilidade”, disse a cientista política.

A especialista reforçou ainda que o principal desafio do governo recém eleito será o de descentralizar o poder acumulado pelo lulismo entre os apoiadores da frente ampla, estabelecer um bom diálogo com o Congresso e bem dialogar com a imprensa, sociedade e instituições supranacionais. “Tudo no sentido de apaziguar a polarização ideológica dos últimos anos”, acrescentou.

Sobre a expectativa para o governo, a cientista política reforçou que espera um cenário desafiador. “A política de 2023 será um começo desafio, com a finalidade de consolidar o agrupamento da Frente Ampla que possui diversas vertentes ideológicas, pesando para o centro, esquerda, conservadores e liberais moderados. Lula, presidente eleito, terá que realizar um equilíbrio de interesses. Na prática, não haverá cargos para todos no 1º e 2º escalão, mas com sabedoria é possível equacionar os apoios reais e de interesse. Ainda assim, podemos esperar surpresas”, finalizou.
Rafael Mello, sociólogo e cientista político da UFRJ, reforçou a ideia de país dividido e citou alguns aspectos como a despolitização, discurso de ódio como estratégia política, e a pós-verdade.

“A polarização em si não é um problema, um exemplo que podemos dar é a polarização estadunidense. O problema é quando ela vem despolitizada, ou seja, o desinteresse pela política. O governo Lula terá que ser de reconciliação da democracia nacional. O último governo esticou demais a corda e apostou na despolitização, no ódio e na pós-verdade. E foi eficaz nessa estratégia. Agora é hora de abaixar a bola.  O governo Lula será obrigado a fazer uma grande conciliação. Até mesmo, devido a configuração do Congresso, que também estará bem dividido. Vai ser necessária muita habilidade política, transparência, paciência e firmeza. Os desafios serão gigantes, mas as oportunidades também são históricas", disse.
Bolsonarismo x petismo

O especialista comentou ainda sobre um personalismo político que afeta os brasileiros. Ele alega que a população costuma criar uma ideia de que algum ser especial irá aparecer para salvar a nação, e com isso, cada um se agarra no que acredita. Mas que esse não deve ser um caminho a ser seguido.

“Aquela coisa do líder carismático. Isso atrelado ao populismo é um problema, pois cultuamos pessoas e não ideias. O que torna mais um aspecto da despolitização, tendo em vista que esperamos um ser especial, um Deus ou um mito nos salve. A que se ter o entendimento de que existir lideranças políticas não da pessoa um ser especial e salvador da pátria, há que se entender todo o processo de construção da liderança e o projeto político que o cerca e o leva a ser um porta voz de uma ideologia, de um conceito, de um programa político que agrega uma coletividade grande que constrói esses instrumentos”, disse.

Rafael comentou também que a configuração do ódio como ferramenta política, tem um foco na destruição de um inimigo. “A questão é que isso foi colocado como eixo central de construção política e dos afetos, por parte do movimento chamado de Bolsonarismo. Que agrega dentro dele o anti-petismo e também ódio aos diferentes, com tratamentos xenófobos aos nordestinos que votaram majoritariamente no Lula”, afirmou..

O cientista político alega que esse é um cenário colocado como desafio da construção da sociedade no cenário político. Fora a crise econômica mundial, devido a pandemia e a guerra, e outras questões comerciais internacionais.

Economia

O economista do Ibmec, Haroldo Monteiro, comentou que o mercado financeiro ainda tem dúvidas sobre como o governo Lula irá agir em relação à parte fiscal.

“Hoje ainda temos uma incerteza muito grande porque o pilar dessa política passa pela escolha de um Ministro da Fazenda, mas de uma maneira geral pelo que vimos no último ano existe uma grande dúvida no mercado em relação a parte fiscal, ou seja, o que esse governo efetivamente vai fazer, porque ele apela para o social, por ajudar as camadas da população mais pobre, mas esse dinheiro tem que vir de algum lugar, então a gente espera de uma maneira geral que haja uma reforma fiscal, taxação de dividendos, alguma forma de o governo aumentar a taxação deles”, disse.

Haroldo comentou ainda sobre a diferença entre o governo Lula de 2002 e o de 2023. “Vemos a bolsa penalizando as empresas estatais, porque ele é contra a privatização, então o estatal perde bastante relevância. O que esperamos é que haja uma abertura de mercado e um compromisso com o fiscal, porque hoje o mercado está diferente do antigo governo, que teve boom das commodities, o mercado internacional era outro, hoje o mercado está inflacionário, então não é o mesmo cenário e isso dificultada a política fiscal. A gente acredita que ele não vá conseguir fazer tudo que ele prometeu e se conseguir terá que fazer um aperto fiscal”, disse.

Em relação ao preço dos alimentos, o economista argumentou que a expectativa é que os valores continuem baixos por conta do pós pandemia e da queda na inflação. “Se houver chegada de dinheiro externo, a inflação tende a ficar ainda mais baixa em um maior período de tempo”, finalizou.
Já o cientista político Rafael Mello aposta em uma reconstrução da rede de proteção econômica. “O desafio é reconstruir a economia, atrelada a um novo projeto de desenvolvimento do país ligadas às transformações trabalhistas, industriais e tecnológicas. Outro ponto chave é o meio ambiente, que dialoga diretamente com a política internacional e o desenvolvimento econômico. O Governo Federal terá que fazer um governo verde, não só na cor, mas na formulação de políticas públicas transversais de reconstrução do país, pois é a pauta central do debate mundial hoje”, relatou.
Ele ainda finalizou reforçou a importância da política internacional. “Lula deve buscar fazer um governo que retome a política internacional e retomar a tradição de relações internacionais do Brasil, que já teve protagonismo no cenário global. Isso é fundamental para o desenvolvimento do país e projeção de futuro”, finalizou.

Relações internacionais

Após líderes e personalidades internacionais repercutirem o resultado das eleições presidenciais com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na noite deste domingo (30), especialistas em relações internacionais comentaram a expectativa para o próximo ano.
Lula votou neste domingo (30) em São Bernardo do Campo, SP - NELSON ALMEIDA / AFP
Lula votou neste domingo (30) em São Bernardo do Campo, SPNELSON ALMEIDA / AFP


Para o especialista Paulo Velasco da UERJ, o engajamento do Lula com os líderes internacionais favorece as relações com os países. No entanto, ele alerta que o presidente eleito deve enfrentar um caminho mais desafiador do que em 2003.

“É reconhecido de base que o Lula tem um engajamento internacional muito maior que Bolsonaro, ou Dilma e Temer tiveram. Faz parte da essência do Lula e pro país é de enorme importância a política externa. Ele vai encontrar uma relação mais adversa do que encontrou em 2003 quando assumiu a presidência pela primeira vez, no contexto pós pandemia, guerra da Ucrânia, perspectiva de uma recessão econômica com parcerias muito importantes. Agora o quadro é diferente, mas pela reação das grandes lideranças internacionais parabenizando o Lula, a expectativa é que ele vai se valer da visibilidade que ele tem para tentar recuperar em parte a projeção perdida pelo Brasil”, relatou.

O especialista reforçou que durante os governos anteriores o Brasil perdeu muito do seu peso internacional, mas que a política externa é fundamental.

“Pro Brasil e para o brasileiro é fundamental a política externa para celebrar acordos em várias frentes, tanto no âmbito comercial, como cultural, educacional, técnico-científico e tudo isso reverte em ganhos para a sociedade brasileira. É por meio de articulações internacionais que o Brasil consegue entendimentos para combater a fome e a pobreza, como foi feito em 2002, por isso há uma boa expectativa, para um política mais pragmática, menos ideológica e menos caótica”, finalizou.

Para Adriana Aparecida Marques, professora em relações internacionais da UFRJ, pelo discurso do Lula após vencer as eleições é possível ver um compromisso em retomar diretrizes de política externa.

“De acordo com discurso do Lula nesse primeiro momento, o que dá pra perceber é que várias das diretrizes da política externa que foram abandonadas no governo Bolsonaro vão ser retomadas, mas elas não são necessariamente diretrizes do PT, muito do que ele falou ontem eram da política externa desde a década de 1990. A volta do Lula é um pouco recolocar nos trilhos a nossa agenda. Além disso, primeiro é ter novamente uma política externa, porque o governo Bolsonaro era um governo de antipolítica e de desmonte porque não teve nenhuma agenda de política externa nesses 4 anos, a não ser uma política ligada a temas ideológicos e ativismo em temas que o Brasil nunca tinha tido antes como em relação a questão religiosa”, disse.

A especialista reforçou ainda a importância das relações internacionais principalmente para a economia do país.

“O que aconteceria se Bolsonaro fosse eleito é que teríamos problemas graves de exportar nossos produtos por conta de sanções relacionada a questão do meio ambiente, você vê que o Lula dá um papel central para o meio ambiente, ele diz que essa questão vai ser transversal, ou seja a política terá uma pauta voltada para a Amazônia e isso favorece o Brasil em outras áreas, incluindo o agronegócio, porque o agro que exporta estava enfrentando dificuldades”, finalizou.