Usuários das barcas desaprovam proposta de redução no número de viagens feita pela CCR BarcasPedro Ivo / Agência O Dia

Rio – A bancária Cynthia Wermelinger, 39, faz o trajeto Niterói x Rio, todos os dias, há mais de 15 anos. Ela trabalha no Centro da capital e precisa do transporte aquaviário para se locomover de casa para o trabalho e vice-versa. Embora tenha outras opções, Cynthia escolhe as barcas pela pontualidade que elas oferecem quando tem que atravessar a Baía de Guanabara.
Se reduzido o número de viagens como a CCR Barcas, concessionária que opera o serviço de transporte aquaviário, tem anunciado fazer por conta de pouco dinheiro em caixa para a operação regular, Cynthia terá a sua rotina diretamente impactada.
"A escassez das barcas já é algo que mexe com o meu dia-a-dia há tempos, desde o término desse meio de transporte na madrugada. Se reduzido, precisarei alterar meus afazeres pessoais para conciliar com o novo horário. Se houver paralisação total eu serei obrigada a escolher o ônibus e isso implicará no aumento da passagem, já que os ônibus intermunicipais custam mais do que a barca", disse a bancária.
"O pior também é a classe trabalhadora ficar à mercê disso tudo, e ainda em cima da hora. Nem todos têm acesso a informação de que as barcas têm possibilidade de risco. Vamos todos saber somente na hora do uso após o dia 3? Sensação de impotência por todos os lados! Não temos a quem recorrer. É uma sensação de ioiô terrível", desabafou Cynthia.
Ela não é a única que enfrentará dificuldades com a alteração. Fabiano Torres, 48 anos, também é morador de Niterói, no bairro São Domingos, trabalha no Centro do Rio e tem as barcas como principal meio de transporte. Diferente de Cynthia, ele conta com uma certa tolerância de horários no trabalho, mas ainda assim será atingido pela mudança no serviço das barcas, caso ocorra, e isso complicará a vida dele.
"Isso me afeta demais. Vai ser muito complicado se, de fato, houver a redução. Estou na minha última semana de férias. Volto ao trabalho na segunda que vem. Caso a CCR cumpra com o que está dizendo que irá fazer, eu prevejo o caos, sinceramente”, afirmou o professor de idiomas e servidor comissionado.
Gastar mais tempo na viagem é uma das preocupações de Winter Bastos, 48. Técnico de atividade judiciária no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) e morador do Centro de Niterói, ele se vê refém do trânsito se a CCR Barcas de fato reduzir o número de viagens.
"Se realmente acontecer a redução das viagens, isso vai impactar a minha rotina, já que terei que reprogramar meus horários e, provavelmente, gastar mais tempo em condução. Na prática, é como se eu passasse a gastar um pouco mais de tempo com trabalho por dia, sem receber nenhum adicional", afirmou Winter, que continuou: "A única alternativa de locomoção que eu teria seria atravessar a ponte de ônibus, encarando os tradicionais engarrafamentos, que com certeza aumentariam com a diminuição do número de viagens de barca".
Em nota, o Governo do Estado informou que "a prestação do serviço de transporte aquaviário será mantida conforme a grade atual, prevista no acordo firmado entre governo do estado e concessionária, em fevereiro deste ano, de forma a assegurar que não haja prejuízo à população. Embora ainda seja necessária a homologação da Justiça, o acordo foi assinado e está em vigor".

Entenda a proposta de redução do número de viagens

A proposta de redução do número de viagens pela CCR Barcas foi feita por meio de ofício enviado ao Governo do Estado, na sexta-feira (24). O documento sugere o racionamento por falta de recursos da concessionária para manter a operação regular do serviço de transporte após o fim do contrato de concessão, ocorrido no dia 11 de fevereiro.
Segundo o parecer, até que haja uma definição da Justiça quanto à situação da concessão, a empresa alega não ter como arcar com a operação atual nos trechos Praça XV, no Centro do Rio, Praça Arariboia, em Niterói, e Divisão Sul.
O ofício fala que, com a redução, o transporte aquaviário será mantido até o dia 10 de março. No entanto, sem esse racionamento, os recursos em caixa da empresa só permitiriam a manutenção dos trajetos até a sexta-feira da próxima semana, dia 3.

Acordo entre Governo do Estado e CCR Barcas
Em dezembro de 2022, a dois meses de ter o contrato finito, a concessionária e o Governo do Estado firmaram um acordo de que os serviços continuariam a ser operados pela CCR Barcas por mais um ano, podendo ser prorrogado pelo mesmo período.
O acordo só foi assinado entre as duas partes em 3 de fevereiro, e então protocolado em petição conjunta à CCR Barcas para que, assim, possa ser homologado pela Justiça, o que ainda não aconteceu. Com a assinatura da concordata, o Estado do Rio se comprometeu a concluir o novo processo licitatório em até 24 meses.
No combinado entre o Governo do Estado e a CCR Barcas está previsto o pagamento de uma indenização de aproximadamente R$ 750 milhões por prejuízos operacionais, que acontecem quando os custos do serviço são mais caros do que o valor cobrado pelas passagens. A dívida foi calculada pela Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos de Transportes Aquaviários, Ferroviários, Metroviários e de Rodovias do Rio de Janeiro (Agetransp) e questionada pelo Ministério Público em uma ação civil pública que está no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Em 15 de fevereiro, a CCR Barcas já havia antecipado em nota que, caso o acordo não fosse homologado com a maior brevidade possível, o serviço seria prestado pelo período que o caixa da concessionária suportasse.

Frente parlamentar pede intervenção no sistema das barcas ao MPRJ
Em 2 de fevereiro, a Frente Parlamentar em Defesa do Transporte Aquaviário da Assembleia Legislativa (Alerj) pediu ao Ministério Público do Rio (MPRJ) a intervenção no sistema das barcas, para que a CCR fosse impedida de continuar administrando a operação. 
O presidente da Frente Parlamentar, deputado Flávio Serafini (Psol), entendeu como improbidade administrativa por parte da administração pública permitir que a empresa continuasse operando sem ter feito uma chamada pública para contrato emergencial. 
"A gente, na verdade, faz uma avaliação de que o que o Governo do Estado está fazendo em permitir que a CCR continue operando sem ter feito uma chamada pública para fazer um contrato emergencial, é improbidade administrativa. Então, a gente pede que o Ministério Público entre com uma ação administrativa e, para que não haja interrupção do serviço, peça ao Governo que faça uma intervenção na operação da empresa, para garantir que vai ser feita uma chamada pública", explicou o parlamentar.
"Esse acordo ainda não foi homologado e ele se transformou em uma chantagem do Governo do Estado e da CCR para que o Ministério Público e o Tribunal de Justiça referendem um acordo que envolve o reconhecimento de uma dívida de quase R$ 1 bilhão, isso é um absurdo (...) O Governo nunca poderia estar fechando um acordo para tapar um buraco porque ele atrasou licitação, estar passando por cima de uma decisão judicial que questiona uma dívida que vai chegar a R$ 1 bilhão, porque R$ 750 milhões é até 2017, 2018 para cá, eles alegam um prejuízo ainda maior que vai fazer com que essa dívida chegue a R$ 1 bilhão", alertou Serafini.