Caio Silva de Souza (camisa branca) prestou depoimentoMarcos Porto/Agência O Dia

Rio - A Justiça do Rio condenou o artesão Caio Silva de Souza e absolveu o tatuador Fábio Raposo Barbosa pela morte do cinegrafista Santiago Andrade, atingido por um rojão, durante uma manifestação na Central do Brasil, em 2014. A sentença foi proferida por volta das 2h desta quarta-feira (13), após cerca de 12 horas de julgamento, que teve início na tarde de terça-feira (12). Além dos réus, a sessão ouviu cinco testemunhas, sendo três de acusação e duas de defesa.
Caio e Fábio foram acusados por homicídio doloso qualificado por emprego de explosivo. Entretanto, o júri popular - formado por cinco homens e duas mulheres -, concluiu que não houve o dolo eventual em matar a vítima, o que levou à desclassificação do crime. Dessa forma, a competência para julgar o artesão, que acendeu o rojão, passou a ser da juíza Tula Correa de Mello, que o condenou a 12 anos de prisão em regime inicialmente fechado, por lesão corporal seguida de morte. Ele poderá recorrer em liberdade. 
O Ministério Público do Rio (MPRJ) informou que não haverá recurso para a condenação, porque considerou adequada a pena imposta. A advogada da família de Santiago Andrade, Carolina Heringer, disse que ainda avalia a possibilidade de recorrer. "A condenação não foi nos termos do que a gente esperava, mas consideramos que foi uma vitória parcial, porque pegou uma pena acima do que a gente imagina se o crime fosse desclassificado, como ocorreu. Então, a gente considera que sim, houve uma vitória parcial e a gente precisa analisar as consequências do recurso e as possibilidades em relação ao Caio". 
Os advogados do artesão afirmaram que o Conselho de Sentença "reconheceu que não havia qualquer prova de que Caio tinha a intenção ou assumiu o risco de matar" e que a juíza "frustrada com a decisão dos jurados, exorbitou todos os limites legais ao impor a pena". Antonio Melchior e Rodrigo Faucz disseram ainda que "a defesa não tem nenhuma preocupação, pois, além dos equívocos primários da decisão, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro já firmou entendimento quanto ao delito praticado e deverá reformar a sentença".
Já o tatuador foi absolvido pelo Conselho de Sentença do 3º Tribunal do Júri. Em nota, o advogado Wallace Martins Paiva, que defendeu o acusado, declarou que "os jurados, soberanamente, entenderam pela tese da não participação de Fábio. A defesa sustenta esse argumento desde 2014. A justiça foi feita". O MPRJ e a defesa dos familiares do cinegrafista informaram que vão recorrer da decisão no prazo legal.
"A gente ficou absolutamente insatisfeito com essa absolvição. Vai ser interposto um recurso, haverá recurso para que haja um novo júri, até porque, na votação que absolveu o Fábio, a pergunta era: 'o Fábio concorreu para o crime?', e os jurados entenderam que não. Só que as provas eram muito robustas de que sim, ele concorreu para o crime. Inclusive, o próprio Caio no depoimento dele diz que havia intenção do Fábio de acender o rojão. Não é razoável e isso está totalmente contrário ao que está no processo, então haverá recurso", afirmou a advogada. 
Ainda de acordo com Heringer, o resultado do julgamento não foi como a família esperava. "A família esperava que os dois fossem condenados e condenanos no homicídio doloso. A gente considera que havia provas suficientes de que os dois tinham consciência, conseguiram prever aquilo que poderia acontecer e, mesmo assim, deram seguimento à conduta deles e não se importaram com o que poderia acontecer, que seria ferir ou matar alguém".
Audiência
Em seu depoimento, Fábio Raposo relatou que era um frequentador das manifestações e que, no dia 6 de fevereiro de 2014, chegou ao ato por volta das 18h30 e percebeu um grande tumulto. Na correria, ele disse ter visto um objeto preto no chão e pego por curiosidade, sem saber que era um rojão. O acusado ainda afirmou que Caio pediu insistentemente pelo artefato e ele entregou, saindo em seguida com os olhos irritados por conta do gás lacrimogênio lançado pelos policiais. 
Ainda na oitiva, o tatuador contou não ter visto o momento em que o outro réu acendeu o rojão e nem quando o explosivo atingiu Santiago. O réu caiu em contradição em seu primeiro depoimento, quando disse que não sabia do que se tratava o objeto que havia entregue. Ele alegou que, à época, seu advogado o orientou a mentir como forma de estratégia.
Já Caio afirmou que conhecia Fábio de vista, mas que não sabia o nome dele e que o viu no momento em que passava pela praça. Segundo o réu, o tatuador perguntou se ele tinha um isqueiro, no que ele respondeu que sim e pediu o artefato que ele tinha nas mãos, afirmando que iria acender. O condenado, no entanto, disse não saber que se tratava de um rojão. Após acionar e colocar o objeto no chão, deixou o local. O artesão declarou não sabia que poderia atingir e matar o cinegrafista. "Eu carrego o peso do meu trabalho, o peso da minha mochila e o peso de matar um trabalhador". 
O acusado contou também que só teve a confirmação do motivo da morte de Santiago nos dias seguintes, com a repercussão do caso na imprensa e que, até então, acreditava ter sido provocada por bombas jogadas pela Polícia Militar. "Se eu tivesse consciência do que era e o que poderia causar, eu jamais iria pegar na minha mão. Eu vi outras pessoas soltando algo que fez uma explosão de cores. Foi isso que quando o Fábio me passou, foi isso que ele me falou."
Antes de Caio e Fábio, cinco testemunhas depuseram. O delegado Maurício Luciano, responsável pelo inquérito inicial do caso, foi o primeiro a falar e relatou que, durante as investigações, chegou a encontrar símbolos na casa do artesão que indicavam uma suposta ligação com "Black Blocks". A defesa do acusado tentou desqualificar o depoimento, afirmando que o policial civil apresentou diversas contradições na sua fala. Em certo momento, o advogado Antônio Pedro Melchior chegou a o acusar de falso testemunho.
Em seguida, foi a vez de Eduardo Fazulo, agente do Esquadrão Antibombas que realizou perícia no local do crime. A defesa dos acusados alegou que não era possível que os dois tivessem ciência da trajetória do artefato, versão que foi corroborada pela resposta do policial. A terceira testemunha foi o fotógrafo Domingos Peixoto, que cobria a manifestação e tirou uma foto do momento do incidente. Ele relatou que a pessoa que acendeu o explosivo não prestou socorro à vítima. "Quando levantei a câmera para fazer as imagens, ele já estava correndo de costas para o artefato. Quando eu faço a sequência, o rojão sai e atinge o companheiro Santiago", disse. 
Na sequência, foram ouvidas duas pessoas ligadas à comissão de Direitos Humanos da Ordem de Advogados do Brasil (OAB). O membro Luiz Rodolfo falou sobre a evolução das manifestações e a atuação da comissão. Ele foi questionado se a organização teria procurado a família de Santiago, mas não soube dizer. Familiares do cinegrafista que estavam presentes na audiência negaram: "Nunca. Nunca fomos procurados", disse Vanessa Andrade, filha da vítima. Já Marcelo Chalel, que era presidente à época do caso, questionou o fato de profissionais da imprensa não utilizarem Equipamentos de Proteção Individual (EPI).
"Perguntei se ele estava usando EPI, porque muitos estavam acompanhando sem qualquer equipamento e, inclusive, sem a identificação. Isso foi até pontuado em uma das reuniões que tivemos com a PM. Perguntei e a pessoa disse que não. Depois cheguei até a comentar com o pessoal da imprensa que estava lá : 'Está vendo, a manifestação esta acontecendo e vocês estão aqui sem equipamento de proteção'", relatou. A juíza, então, questionou se ele também utilizava EPIs enquanto acompanhava os atos. "Nosso uniforme é o terno. Também ficávamos em uma posição mais distante", justificou o ex-presidente. 
Relembre o caso
O cinegrafista Santiago Andrade, de 49 anos, morreu depois de ser atingido na cabeça por um rojão enquanto cobria uma manifestação no Centro do Rio, em fevereiro de 2014. Caio Silva de Souza e Fábio Raposo foram acusados de soltar o explosivo e denunciados pelo Ministério Público do Rio (MPRJ) por homicídio doloso triplamente qualificado, por motivo torpe, impossibilidade de defesa da vítima e uso de explosivo. A juíza retirou duas qualificações mantendo somente o uso de explosivos.

Após ser atingido pelo rojão, Santiago ficou internado no Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro do Rio, por quatro dias e morreu em decorrência dos ferimentos. A explosão provocou afundamento no crânio da vítima. Segundo a denúncia do MPRJ, Fábio teria entregado o rojão para Caio "com a finalidade, previamente, de direcioná-lo ao local onde havia uma multidão, inclusive composta por policiais militares". Na época, os dois afirmaram que já se conheciam de outras manifestações e agiam juntos.