Patrulhamento segue reforçado na Praia de Copacabana, na Zona Sul do Rio, neste sábado (16)Pedro Ivo / Agência O Dia

Rio - O governador Cláudio Castro (PL) usou as suas redes sociais, na tarde deste sábado (16), para comemorar a decisão que revogou a determinação sobre apreensão de adolescentes e crianças sem flagrante ou sem mandado durante a Operação Verão. Para ele, a sentença da juíza Lysia Maria Mesquita impedia as forças de segurança do estado de atuar na abordagem preventiva.
"A ordem foi restabelecida. Gostaria de agradecer imensamente ao presidente do Tribunal de Justiça do Rio, desembargador Ricardo Rodrigues Cardozo, por ter revogado a decisão em primeira instância que impedia o Estado de exercer o importante papel de abordagem preventiva das nossas forças de segurança na Operação Verão. Não nos restou outra alternativa senão ir à Justiça para defender o direito à segurança da nossa população. Seguimos firmes!", escreveu.
O governador já havia informado que iria recorrer da decisão. Neste sábado (16), o presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Ricardo Rodrigues Cardozo, revogou a determinação de Mesquita dizendo que o Estado e o Município do Rio não haviam sido ouvidos previamente. Além disso, o juiz destacou que a decisão traz risco à ordem administrativa e à segurança pública.
"A ingerência judicial na formulação e implementação da política pública em testilha, sobretudo como levada a efeito – de modo a interditar inaudita altera parte e repentinamente sua execução – encerra inegável risco de lesão à ordem administrativa e à segurança pública, além de comprometer a concretização do postulado da proteção integral de crianças e adolescentes no território da capital fluminense", argumentou.
Cardozo considerou que os casos de encaminhamento de adolescentes abordados à instituição de acolhimento não violam seu direito de ir e vir. A justificativa está inclusa na Ação Civil Pública (ACP) do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), que motivou a primeira decisão.
"Por outro lado, é mister salientar que o eventual e excepcional encaminhamento dos infantes à instituição de acolhimento, após percorrido o iter procedimental definido na nota técnica que descreve a operação e à vista da situação de vulnerabilidade aferida in concreto, não enseja propriamente violação do direito de ir e vir de crianças e adolescentes", completou.
Entenda a primeira decisão
A juíza Lysia Mesquita, titular da 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca da Capital, havia determinado, na última segunda-feira (11), a proibição da apreensão de adolescentes e crianças durante a Operação Verão, a menos que seja em flagrante ou que haja mandado. Segundo a determinação, a operação "em que pese ter por fim garantir a todos, cariocas ou não, segurança no local de maior lazer, acabou por violar direitos individuais e coletivos de crianças e adolescentes de uma camada específica de nossa sociedade."
“Verifica-se pelos relatórios encaminhados pelas centrais de recepção de adolescentes e crianças em situação de vulnerabilidade, que adolescentes foram impedidos de ir à praia ao serem interceptados antes da chegada; outros foram recolhidos ao chegar na praia levados para identificação e sarqueamento, e lá permaneceram até a chegada do responsável; em alguns casos a criança estava acompanhada do responsável e ainda assim foi recolhida. (...) Os adolescentes e crianças não estavam em flagrante delito, não possuíam mandado de busca e apreensão em seu desfavor, muito menos estavam em situação de abandono, ou risco social”, apontou.
Para Mesquita, não é correto combater a violência urbana violando direitos fundamentais garantidos pela Constituição e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

“O Estado do Rio de Janeiro e o Município do Rio de Janeiro ao realizar recolhimento, sem flagrante, sem ordem judicial, divulgar imagens, nomes de crianças e adolescentes violam direitos fundamentais daqueles que devem, por imposição constitucional, proteger. Importante que o Estado e o Município do Rio de Janeiro se mobilizem para garantir a segurança de todos na praia e no acesso a ela, mas sem violar, direitos sem incentivar mais violência. Os moradores das periferias pardos e negros, crianças e adolescentes, devem ter garantido o seu direito de desfrutar das praias como todos os outros, cabendo ao Estado e Município assegurar o ir e vir seguro a todos”, declarou
A decisão foi motivada após uma ACP do MPRJ. Em 52 páginas, o documento elencou diversos episódios, onde dezenas de adolescentes foram levados para a delegacia. Na ação, fala-se sobre "desrespeito do direito de ir e vir dos adolescentes"; "abordagens indiscriminadas aos ônibus" e "absurdas abordagens". O órgão destacou que a ACP ajuizada não tem por finalidade impedir a polícia de exercer seu papel, mas garantir que a atuação se dê de acordo com as normas convencionais, constitucionais e legais vigentes no Brasil.
Sobre a nova decisão da Justiça, o MPRJ afirmou ao DIA, neste sábado (16), que a Procuradoria-Geral de Justiça ainda não foi notificada oficialmente da nova decisão do Tribunal de Justiça. Assim que for informada, o órgão analisará a determinação para a tomada de decisão.
O que dizem especialistas?
Em conversa com O DIA nesta sexta-feira (15), Carolina Grillo, professora do Departamento de Sociologia e Metodologia das Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenadora do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI/UFF), disse que a decisão da juíza Lysia Mesquita tem fundamento, porque práticas de forças policiais, como abordagens a ônibus, estariam influenciando no direito de ir e vir da população.
"Essa decisão de impedir apreensões sem um flagrante é perfeitamente razoável porque é uma violação do direito democrático de ir e vir, de apreender adolescentes sem que eles tenham feito nada. Essa já é uma prática comum normalmente nessa Operação Verão: interromper a passagem dos ônibus que estão em direção à praias com moradores do subúrbio, que tentam acessar democraticamente a praia, que é um espaço público e acessível a todos. Esses ônibus são parados e durante essas abordagens é comum que adolescentes sejam encaminhados para delegacia sem motivo algum, sem que eles tenham praticado qualquer irregularidade, às vezes sob o argumento de estarem sem documento. O que não é um argumento decente porque os menores de idade não são obrigados a portar documentos de identidade enquanto estão transitando pela cidade", explicou.
Grillo ainda completou que tais ações das forças policiais são arbitrárias e violam os direitos garantidos das pessoas pela Constituição.

"Vale lembrar que a maioria das pessoas que estão nos ônibus, que estão procurando acessar a praia, elas não estão indo para praticar crimes. São alguns grupos específicos de jovens que acabam, por um efeito de grupo, praticando arrastões e essas situações que a gente viu que são muito graves. É claro que a gente precisa achar uma política para lidar com essa questão, identificar esses jovens, compreender o que está acontecendo e evitar que aconteça. Agora, abordar os ônibus, cercear o direito de ir e vir dos moradores das periferias do Rio, cercear a possibilidade deles irem à praia, isso é uma violação do direito de ir e vir", completou.
Para o consultor em Segurança Pública, Vinicius Cavalcante, a determinação de Mesquita atrapalha o trabalho de agentes de segurança que combatem e previnem crimes. O especialista afirmou que organizações criminosas costumam utilizar adolescentes e crianças, pois estes querem provar que podem fazer coisas importantes e querem ser respeitados. A decisão de ter apenas prisão em flagrante ou com mandado iria contra trabalhos de inteligência das polícias.
"Eu não acho que seja melhor. Muitas das vezes você consegue a fisionomia, a identificação positiva, por um dado de inteligência e um trabalho de investigação. Você obtém essa identificação a partir de uma ação de inteligência. Se você puder prender só quando o cara tiver agindo, e se não tiver ninguém na hora para prender? Como é que fica? A nossa sociedade precisa saber o que ela quer e o que é melhor para ela. Ficamos divagando em termos humanísticos, em termos pseudo-democráticos, só estamos construindo o pior para nós. Não queremos ser assaltados no final de semana", destacou.
Segundo Cavalcante, o direito de ir e vir de pessoas que estariam envolvidas em crimes não devem ser respeitados. "Se eu tenho informação que fulano de tal está perpetrando crimes, a qualquer tempo que eu ver ele na rua tenho que botar a mão nele. Eu tenho que respeitar o direito dele de perpetrar isso? Nós não vamos construir uma segurança melhor para nós e nossos familiares fazendo essas coisas. Se a gente tivesse um dado de inteligência e nós pudéssemos identificar aquele cara, ele ia ficar guardado. Nós estamos pensando e respeitando supostamente o direito do predador, que não respeita o direito das supostas presas. Eu não concordo com isso", finalizou.