Movimentação na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro durante volta às aulasReginaldo Pimenta/Agência O Dia
Para eles, a rotina de terror na região não é novidade e nenhuma medida foi tomada para garantir a segurança dos estudantes, funcionários e professores. “Tá todo muito bem receoso de voltar e a verdade é que precisa reforçar a segurança porque não adianta adiar as aulas e a gente voltar sem segurança, até dentro do campus mesmo estava tendo muito assalto. Hoje o ônibus estava vazio, as salas vazias, teve gente que largou o estágio e trancou o período. Isso é muito triste, foi um choque porque como foi com o Bernardo, podia ser eu”, ressaltou a aluna de Farmácia, Melissa Boaventura, de 21 anos.
A decisão pela volta das atividades presenciais foi tomada no último sábado (13) em reunião realizada por representantes do administrativo da instituição. Através das redes sociais, a UFRRJ explicou que foi constatada a necessidade de se estabelecer um momento de transição em face à complexidade e delicadeza do cenário ocorrido. Por isso, foi determinada a suspensão de provas até sexta-feira (19) e a flexibilização das faltas. Segundo a instituição, os materiais apresentados em sala serão disponibilizados aos alunos que, eventualmente, não conseguirem retornar.
Assustada com o que aconteceu no último dia 8, a aluna de Farmácia Marisa Chagas, de 22 anos, ficou receosa de retornar às aulas. De acordo com ela, o clima ainda é tenso e a insegurança prevalece. “Eu sinto que o clima está muito pesado, é muito triste o que aconteceu porque eu penso que pode acontecer com a gente. Agora além do clima pesado, tem um clima de incerteza. A reitoria fez reuniões e tentou flexibilizar as faltas principalmente para as pessoas que não são daqui e se sentem inseguras para vir, isso foi bom porque realmente tá uma situação de muita insegurança”, ressaltou.
Ainda receosa com o episódio de violência, a aluna de Zootecnia, Clara Duarte, de 20 anos, optou por sair mais cedo da aula, que terminaria às 17h. “Estou indo embora até mais cedo, era para eu sair às 17h, mas como esse horário já começa a escurecer, não quero arriscar. A faculdade está ajudando bastante a gente, eles cancelaram as aulas, estão liberando materiais caso a gente precise faltar. Isso foi muito importante até porque estamos em época de prova. Fiquei muito triste, muito sentida, com o ocorrido. Eu não conhecia o Bernardo, mas por ser um jovem, um de nós, foi um choque. Poderia acontecer com qualquer um de nós, até porque ali é um lugar muito movimentado, que tem muitos estudantes. Está muito difícil, espero que esta situação melhore”, disse.
Bernardo Paraíso, de 24 anos, era estudante de Ciências Biológicas e estava na rua indo a um mercado próximo à universidade quando teve início a troca de tiros entre milicianos. O rapaz foi atingido por três disparos e morreu no local.
Em entrevista ao DIA, a aluna de Belas Artes, Ana Luiza Pinto, de 19 anos, relembrou como soube da morte do colega. “Quando aconteceu, a gente sabia que não haveria aula por conta do tiroteio. Mas até então não sabíamos da morte dele e quando soubemos, o clima ficou muito pesado, muito ruim. Mesmo depois de uma semana em casa, a gente fica um pouco receosa de voltar às aulas. Até porque não quero ficar falando e lembrando de tiro. Quem mais fica preocupada é a minha mãe, que cuida da irmã, que é pequena, e da minha avó. Se acontece alguma coisa comigo, não sei o que seria dela, não tem nenhuma garantia que isso não vai acontecer de novo”, disse.
Na família do estudante de Educação Física, João Victor, de 19 anos, a situação não é diferente. Segundo o jovem, as mensagens dos parentes perguntando como estão as coisas são frequentes. “Não é a primeira vez que isso acontece por aqui. Por mais que seja afastada, a Rural tem muitos acessos que não tem segurança. Isso dá medo de sair de casa. Minha família fica toda preocupada, manda mensagem, e eu não precisava passar esse medo, estou vindo aqui para estudar. Foi um acontecimento muito triste, a gente se solidarizou com ele. Quando aconteceu, todo mundo ficou em choque. Pra mim foi horrível, porque eu conhecia ele e também sou de Niterói”, ressaltou.
Um bebê de 1 ano, uma menina de 6 anos e mãe das crianças também foram feridos por disparos. O pequeno e a mulher, identificada como Rosiane de Freitas, de 34 anos, já receberam alta. A menina foi baleada na região da coluna cervical e do braço esquerdo. Ela passou por cirurgia e segue internada em estado grave no CTI Pediátrico do Hospital Adão Pereira Nunes, em Caxias.
Além da insegurança, o sentimento também é de revolta. O aluno de Farmácia, Guilherme Teixeira de 28 anos, teme que os estudantes virem alvos de milicianos da região. “Uma das coisas que está sendo discutidas entre os alunos, é que por se tratar de uma guerra entre milícias em uma cidade universitária, a gente imagina que a forma de um grupo rival atacar essa cidade é justamente atacando alunos da universidade. O que aconteceu com o Bernardo foi uma fatalidade, mas não sabemos o que vai acontecer daqui pra frente. Infelizmente temos que voltar a normalidade, mas por conta dessa tragédia, a gente não está conseguindo administrar isso emocionalmente, tendo que colocar isso no dia a dia, com aula, prova, trabalhos. Temos que dar conta de todas as exigências da faculdade e agora dessa insegurança”, explicou.
Ainda na terça (9), a Polícia Civil identificou os dois homens que foram presos em flagrante após o tiroteio. Suspeitos de integrar milícia, Edson Jaci da Silva de Aquino e Cleber Barbosa dos Santos foram detidos por policiais civis e agentes do Programa Seropédica Presente, que também apreenderam um fuzil, duas pistolas, uma granada, dinheiro e dois veículos roubados.
O caso está sendo investigado pela Delegacia de Homicídio da Baixada Fluminense (DHBF), que atua para identificar os responsáveis pelos disparos que atingiram as vítimas. A suspeita é de que o tiroteio tenha ocorrido pela disputa de território por organizações criminosas na região. Nas redes sociais, moradores reclamaram que Seropédica tem sido palco de uma guerra violenta entre bandidos.
Questionada pelo DIA sobre a falta de policiamento no município, a Polícia Militar informou que, desde o início do ano, o 24ºBPM (Queimados) efetuou mais de 200 prisões em sua área de policiamento. A corporação disse que aplica o policiamento nos municípios que compreendem sua região de atuação com setores e subsetores de rádio patrulha, Grupamento de Ações Táticas, bem como motopatrulhas com viaturas baseadas em pontos estratégicos.
Ressaltou, ainda, que o município conta com roteiros de rondas visando prevenir e coibir delitos na região, além do batalhão também empregar policiais militares pelo Regime Adicional de Serviço (RAS). Por fim, a PM disse que a área de policiamento do 24ºBPM (Queimados) apresentou redução de 12,5 % no indicador estratégico letalidade violenta quando comparados os meses de janeiro a fevereiro de 2024 em relação ao mesmo período de 2023.
Segundo investigações, a guerra entre os grupos se intensificou a partir de março deste ano após o assassinato do miliciano Ricardo Coelho da Silva, de 38 anos, conhecido como 'Cientista', que assumiu a liderança da milícia da região, após a morte de Tauã Oliveira, o 'Tubarão'. Agora, quem estaria no comando do grupo é 'Juninho Varão'.
'Cientista' morreu pouco mais de um mês depois de 'Tubarão', dentro de uma casa de festas na Rua Ponte Nova, no Tanque, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio. Segundo testemunhas, homens armados e encapuzados invadiram o local e foram direto na direção da vítima.
Por seu domínio em Seropédica e em parte da Baixada, Tubarão era apontado como um dos principais rivais do grupo de Zinho, que está preso desde dezembro do ano passado após se entregar à Polícia Federal na véspera do Natal. Segundo investigações, seu sucessor é Rui Paulo Gonçalves Estevão, conhecido como 'Pipito'. Atualmente, 'Chica' atua em um terceiro grupo com apoio de traficantes, após trair a milícia de 'Juninho Varão'.
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