Nuno Vasconcelloes: "No quadro atual e diante do quadro de calamidade da administração municipal, a primeira ferramenta a ser utilizada pelo prefeito terá que ser a sinceridade. Ele terá que de encarar a população de frente, olho no olho, enumerar os problemas e definir prioridades" - Daniel Castelo Branco
Nuno Vasconcelloes: "No quadro atual e diante do quadro de calamidade da administração municipal, a primeira ferramenta a ser utilizada pelo prefeito terá que ser a sinceridade. Ele terá que de encarar a população de frente, olho no olho, enumerar os problemas e definir prioridades"Daniel Castelo Branco
Por O Dia
Dois acontecimentos trágicos, um no Rio de Janeiro e o outro na cidade norte-americana de Minneapolis, desviaram nos últimos dias a atenção da pandemia e jogaram luz sobre um problema grave, que ainda assola a humanidade em pleno Século 21. Trata-se da combinação entre violência policial, racismo e uma série de outros males que já deveriam ter desaparecido há muito tempo. O tiro de fuzil que abateu o adolescente João Pedro na comunidade do Salgueiro, em São Gonçalo, no dia 18 de maio, ou o joelho do policial que asfixiou o ex-segurança George Floyd, nos Estados Unidos, são, no fundo, frutos da mesma realidade assustadora que, há anos, faz vítimas entre a população negra.
É triste ter que tocar nesse assunto neste momento em que um inimigo invisível e letal como o coronavírus faz vítimas e alcança pessoas de todas as raças ao redor do mundo. Porém, se olharmos com atenção, será possível perceber que existe um ponto comum entre essas tragédias. A violência estimulada pelo racismo, os erros cometidos no combate à covid-19 e uma série de problemas que não vêm ao caso neste momento mostram que o Estado tem falhado na mais básica de suas funções.

RISCOS INDESCULPÁVEIS — Ao invés de proteger a vida e zelar pelo bem estar dos cidadãos, como é seu dever, o Estado passou a se colocar acima da sociedade e, ao agir assim, tornou-se uma ameaça para os que deveria proteger. Ninguém está dizendo, aqui, que os policiais fluminenses ou norte-americanos saem às ruas para realizar seu trabalho dispostos a matar o primeiro afrodescendente que encontrarem em seu caminho. Mas ao agirem como agem, acabam expondo a população que ocupa as posições mais básicas e vulneráveis da pirâmide social a riscos indesculpáveis.
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Não é nossa intenção, agora, aprofundar a discussão dos aspectos sociais e econômicos que, ao longo dos séculos, condenaram a população negra a permanecer nessa posição. O que interessa é afirmar, aqui e agora, que esse problema é extremamente grave e sua solução exige que tomemos a decisão de não aceitar mais que as coisas continuem como estão. Só conseguiremos superar as dificuldades econômicas que a pandemia nos trouxe se passarmos a olhar a questão social de uma forma diferente da que, como sociedade, a encaramos até agora.
Racismo e violência policial são deploráveis! Embora diferentes na forma e no conteúdo, refletem as mesmas deformações que deixam pessoas morrerem sem um atendimento digno no serviço público de Saúde. Cada um tem causas e consequências específicas, mas todos precisam despertar indignação — que, como a história está cansada de mostrar, é um dos mais poderosos combustíveis das mudanças sociais. A sociedade precisa exigir que o Estado, principalmente no Rio, ocupe o espaço que, por culpa de sua omissão e da escolha equivocada de prioridades, foi preenchido nos últimos anos pelas organizações criminosas que, também, fazem mais vítimas nas camadas mais básicas e vulneráveis da sociedade.

A OMISSÃO DO ESTADO — A pandemia tem nos colocado diante de tantas necessidades que, a cada dia, fica mais claro que reabrir o comércio, reativar a Economia e tocar a vida do mesmo jeito que fazíamos antes não será suficiente para deixarmos os problemas para trás. Reabrir não será suficiente. Será preciso, mais do que isso, reinaugurar nossos negócios sobre um novo alicerce. Precisamos estar cientes de nossas responsabilidades como cidadãos mas, também, cobrar do Estado uma sinalização clara das medidas que adotará para atender as necessidades da sociedade.
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Isso é fundamental, até para que não tenhamos mais que tomar conhecimento de situações absurdas como as que temos assistido em determinadas regiões do Rio, onde os traficantes exigem que os pequenos comerciantes das comunidades mantenham seus negócios fechados e as milícias cobram a reabertura. Situações como essa não são nem podem ser consideradas normais. Mas que acabaram se impondo porque o Estado se demitiu de suas funções. É preciso transformar o tributo elevado do isolamento, que nos foi imposto por essa pandemia, em recurso para as mudanças que precisamos fazer para nos tornar uma cidade, um estado, um país e um mundo mais integrados e com menos desigualdades. Precisamos inaugurar um novo jeito de lidar com o mundo — o projeto anterior, como fica claro a cada tragédia, não deu certo.
 (Siga os comentários de Nuno Vasconcellos no twitter e no instagram: @nuno_vccls)