Por Nuno Vasconcellos

Desde que o governo tomou a decisão (por sinal, acertada) de abrir os cofres federais com o objetivo de reduzir o impacto social e econômico da pandemia do coronavírus, qualquer pessoa era capaz de prever a necessidade de providências para impedir que o caos financeiro viesse e sacrificasse ainda mais o Tesouro Nacional. Para se conseguir isso havia dois caminhos possíveis. O primeiro era o da eliminação de despesas desnecessárias e a racionalização dos gastos da União, dos estados e dos municípios. O outro seria o do elevação das receitas — que aumentaria a sobrecarrega fiscal. No Brasil, é cobrado dos cidadãos e as empresas tributos elevados como nos dos países ricos em troca de um serviço público sofrível como o dos mais atrasados.

Não era preciso recorrer às cartas do tarô para adivinhar para que lado o vento sopraria. Estava claro, desde o início, que a corda mais uma vez arrebentaria para o lado mais fraco. Isso foi dito com todas as letras neste espaço. O título do texto publicado aqui no último dia 19 de abril falava por si mesmo: "O custo da generosidade será o aumento dos impostos". Àquela altura, ou seja, três meses atrás, já era possível perceber que os parlamentares demonstravam uma espécie de prazer na hora de esvaziar os cofres federais e entregar o dinheiro para os estados e os municípios sem exigir qualquer contrapartida. Cada movimento que eles faziam deixava claro que a conta da farra, mais uma vez, seria cobrada da vítima de sempre: o cidadão.

PRIMEIRA REMESSA

Na terça-feira passada, essa previsão começou a se confirmar tão logo o ministro da Economia, Paulo Guedes, levou ao Congresso o primeiro dos projetos da Reforma Tributária que vem sendo prometida desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, em janeiro do ano passado. A ideia é extinguir a PIS e o Cofins (dois tributos horríveis que, somados, consomem 3,65% das receitas da empresa), e substitui-los por um outro ainda pior: a voraz Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS).

A alíquota do novo tributo será de 12% sobre o faturamento bruto e, pelo menos por enquanto, deverá ter o mesmo peso para todas as pessoas jurídicas do país. Só os bancos, sempre eles, pagarão menos: apenas 5,8%. Outras medidas devem ser apresentadas nos próximos 30 dias. Pelo menos foi o que o ministro Paulo Guedes prometeu ao entregar o projeto ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e ao do Senado, David Alcolumbre (DEM-AP).

Na segunda remessa, conforme disse o próprio ministro, está prevista a unificação de outros impostos que compõem o incompreensível emaranhado fiscal brasileiro. Nela, também deverá ser proposta a criação de um novo tributo, sobre transações eletrônicas, que será cobrado para compensar a desoneração da folha de pagamento das companhias.

VORACIDADE DE GAFANHOTO

O novo imposto virá. Mas sem colocar em dúvida a sinceridade nem a boa fé do ministro, não é possível dizer que haverá redução dos tributos sobre a folha de pagamentos. Desde que o governo perdeu a capacidade de resistir aos parlamentares, que avançam sobre o dinheiro federal com voracidade de gafanhotos, tirar dinheiro do Tesouro Nacional para cobrir as despesas de competência dos estados e municípios se tornou tão natural quanto um deputado tratar o outro por Vossa Excelência.

Na quarta-feira, por exemplo, Rodrigo Maia (que já esqueceu a promessa, feita meses atrás, de reduzir os salários dos servidores da Câmara para ajudar no esforço contra o coronavírus) defendeu que o dinheiro federal seja usado para impedir o colapso das empresas de transporte público. Detalhe: a obrigação de custear o transporte coletivo foi transferida para os municípios desde a Constituição de 1988. Maia quer que a situação excepcional de pandemia justifique a cobertura pela União de eventuais prejuízos de empresas que passaram a operar com custos mais baixos nos últimos meses. Entre elas, as que exploram os ônibus sempre sujos, lotados e em péssimo estado de conservação que trafegam pelas ruas do Rio de Janeiro.

Qualquer cartilha, por mais elementar que seja, diz que o Estado existe para servir ao cidadão e à sociedade. No Brasil, no entanto, o que se vê é o contrário: a sociedade é que parece existir para sustentar um Estado cada vez mais ineficiente, lerdo e, muitas vezes, corrupto. Isso é triste e lamentável. Se os parlamentares não controlarem seu apetite por gastos e se o governo insistir em criar novos impostos sem exigir contrapartidas, a quebradeira, que já é grande, ficará pior. É hora de por a mão na consciência e fazer o que tem que ser feito para dar à economia alguma chance de sobreviver. Do contrário, não haverá mais empresas de pé nem entrará nos cofres dinheiro para ser distribuído.

 

Você pode gostar
Comentários