Nuno10abrARTE KIKO

Nos países mais organizados do mundo, a função primária do Estado é atender o cidadão em suas necessidades básicas e prestar os serviços que proporcionem segurança e garantam acesso à saúde, à educação e ao transporte. Ou seja: o Estado existe para servir ao cidadão — e, em nome desse princípio, precisa manter as contas em ordem para que o dinheiro que entra no Tesouro na forma de impostos seja suficiente para arcar com todas as obrigações. Simples assim.
É evidente que esse conceito está simplificado e que as funções do Estado moderno, em qualquer lugar do mundo, têm se tornado cada vez mais complexas. Há, no entanto, pontos de vista que não são nem de direita e nem de esquerda, mas que precisam estar presentes no centro da discussão. Um deles é o de que o Estado precisa gastar menos com a própria manutenção para que possa ter mais dinheiro para gastar com programas que beneficiem a toda população. Precisa gastar menos com o custeio da máquina para ter mais recursos para investir em programas sociais que beneficiem, sobretudo, a parte mais vulnerável da população. E também em projetos de infraestrutura que gerem empregos e ajudem a estimular a economia.
Essa realidade, infelizmente, tem se mantido distante do Brasil. Independente de quem esteja no governo, ou se o presidente da República é de direita ou de esquerda, as despesas públicas no Brasil sobem por si mesmas — muitas vezes estimuladas pelos reajustes automáticos de salários previstos em lei. Em consequência dessa e de outras políticas que oneram o orçamento com despesas que não deveriam ser bancadas com dinheiro público (como o Fundo Partidário e o Fundo Eleitoral), a realidade se torna cada vez mais cruel: cada vez mais balofo e pesado, o Estado brasileiro tem se sentido cada dia mais desconfortável no figurino de um Estado moderno. Pior: ao invés de emagrecer e tentar se adequar às roupa que já estão prontas, o Estado se limita a remendar os trajes velhos para continuar cabendo dentro deles.
Essa situação tem gerado uma inversão impiedosa de valores: ao invés do Estado dar suporte ao cidadão, o cidadão brasileiro é que vem carregando o Estado nas costas — e boa parte de seus esforço é destinado a garantir os privilégios das corporações mais poderosas do funcionalismo. Como foi dito neste espaço na semana passada, qualquer generalização em torno do serviço púbico é perigosa. Mas não é preciso ir muito longe para se perceber que, no Brasil, a máquina pública é pesada, onerosa e ineficiente.

ABSURDOS NACIONAIS
Na segunda-feira passada, o empresário e ex-Secretário de Desestatização do Ministério da Economia, Salim Mattar, fez em Curitiba uma palestra em que expôs o quadro dramático de algumas situações que cercam o Estado brasileiro. Levantados pelo Instituto Liberal, entidade que desde 1983 procurar fazer uma análise crítica do Estado Brasileiro, os dados apresentados por Mattar mostram, por exemplo, que a média salarial dos brasileiros que têm as carteiras de trabalho assinada por empresas privadas é de 2,3 salários mínimos. Enquanto isso, no serviço público, a média é de 5,6 salários mínimos.
Tal comparação ainda não reflete toda a disparidade que existe entre o contingente de funcionários públicos e os trabalhadores da iniciativa privada. A comparação seria ainda mais dramática se incluísse os trabalhadores informais. Na força de trabalho brasileira, que reúne um total de 93 milhões de trabalhadores, 38 milhões (ou seja, 40,6% do total) sobrevivem à custa do trabalho informal.
Os efeitos dessa situação são comprovados por números que falam por si mesmos. Em Brasília, onde a maior parte das pessoas têm algum emprego público, a renda per capita é de R$ 91 mil por ano. Em São Paulo, o estado mais rico e industrializado do país, a renda per capita é de R$ 51 mil por ano. A média per capita nacional é de R$ 35 mil por ano enquanto o Maranhão, um dos estados mais pobres do país, tem uma renda per capita de R$ 14 mil por ano.
O grande problema dessa comparação não é a renda per capita de Brasília ser tão alta. O problema é a do Maranhão ser tão baixa. O Estado tem a obrigação de adotar políticas que criem oportunidades e gerem benefícios para todos – e não apenas para alguns. É preciso colocar toda a população em primeiro lugar, e não apenas algumas franjas dessa população.
Veja, por exemplo, o que está acontecendo com as pessoas que necessitam do serviço prestado pelos servidores do INSS, uma das muitas repartições públicas que entraram em greve nas últimas semanas. Basta olhar para esse quadro para perceber que o quanto a situação está errada.

BRAÇOS CRUZADOS
Protegidos por uma lei que lhes cobre de direitos e lhes cobra um mínimo de deveres, os servidores do órgão simplesmente decidiram cruzar os braços. Alegam que seus salários estão defasados e exigem reajustes de 19,9%. Além disso, querem o arquivamento da PEC da Reforma Administrativa, que tramita na Câmara e só deve ser votada em 2023, e o fim do teto de gastos pelo governo federal.
Antes de mais nada, não custa lembrar que o INSS é responsável por uma parte especialmente sensível do relacionamento do Estado com o cidadão. É ele que administra o as aposentadorias, as pensões e mais uma série de benefícios que a lei assegura ao cidadão. Não custa lembrar, também, que nenhum cidadão em seu perfeito juízo procura uma repartição do órgão em busca de diversão. Apenas aqueles que têm alguma necessidade ou precisam usufruir de algum direito assegurado por lei se dispõem a entrar numa fila para, depois de uma longa espera, receber um tratamento que muitas vezes acaba sendo descortês, displicente e inconclusivo.
É preciso entender o seguinte: a pessoa que vai a uma repartição do INSS não quer saber quem vai atendê-la. Para ele, não tem a menor importância saber se o processo que lhe assegurará aquilo a que tem direito será analisado por um funcionário de carreira, concursado, estável e com direito à aposentadoria integral. Na prática, não faz a menor diferença saber que o atendimento foi feito por um trabalhador terceirizado, que ganha por produtividade e que, se não trabalhar direito, pode ser mandado embora.
A pergunta é: por que não privatizar os serviços públicos de atendimento à população? Que mal há nisso? Esse argumento, é bom que se diga, não é contra o servidor público. Qualquer Estado moderno precisa contar com uma burocracia estável, bem preparada, eficiente e bem paga, ocupando posições estratégicas e garantindo a qualidade do serviço. Isso é óbvio. Da mesma maneira, é óbvio que uma série de atividades do serviço público não requer um nível elevado de especialização e pode perfeitamente ser prestadas por funcionários terceirizados.
Mas nenhuma terceirização produzirá efeitos se não for acompanhada por uma mudança radical na torna de trabalho do INSS. A ineficiência do órgão é evidente — não por culpa dos funcionários, mas quase sempre pela obrigação de seguir ao pé da letra um conjunto de normas de trabalho burocráticas e retrógradas. Antes da greve, havia mais de 2,8 milhões de processos em análise no órgão, à espera de que algum funcionário concursado, num ato de boa vontade, se dispusesse a emitir o parecer que garantirá ao cidadão uma renda que, por menor que seja, pode ser seu único meio de subsistência.

BARREITAS CORPORATIVISTAS
Uma experiência nesse sentido, desde que bem conduzida e bem fiscalizada, poderia, além de aumentar a eficiência, diminuir o custo de uma máquina pública onerosa e perdulária. O certo, porém, é que o modelo atual, em que mais de 90% da arrecadação federal são destinados ao pagamento de salários e às despesas de custeio obrigatórias, precisa ser revisto. É preciso, de uma vez por todas, derrubar as barreiras corporativistas que mantêm a lógica do estado inchado e utilizar o dinheiro que hoje é gasto com a manutenção da ineficiência em benefício da população.
Voltando aos números apresentados por Mattar, apenas para cobrir o custo de 19 empresas estatais deficitárias, o Governo Federal gastou R$ 21,8 bilhões em 2021. Com esse dinheiro teria sido possível construir 220 mil casas populares — o que, além de ajudar a amenizar o problema do déficit habitacional, geraria milhares de empregos. Esse assunto precisa ser debatido sem paixão e sem influência das discussões ideológicas que têm dividido a sociedade nos últimos anos. É preciso avançar com essa agenda. Para o bem de todos — e não só dos que estão do lado de dentro da máquina.