Rio - A cada dia com mais explosivos dos tipos C-4 e TNT , as quadrilhas que assaltam caixas eletrônicos utilizando dinamites transformaram o Estado do Rio em um verdadeiro campo minado. Só no ano passado, os criminosos mandaram um total de 60 equipamentos pelos ares, do Norte ao Sul Fluminense 11 a mais do que em 2016, alta de 22%. Em 2018, cinco ações já foram registradas, com prejuízos que ultrapassam a casa dos R$ 5 milhões. As investidas dos bandos são ousadas e não se limitam mais a instituições bancárias. Passaram a ser executadas também dentro de escolas, supermercados, hotéis, empresas e até hospitais, tornando real a possibilidade de tragédias.
A hipótese de as organizações criminosas, que se multiplicam na mesma velocidade com que contam dinheiro surrupiado com violência, estarem contratando especialistas em lidar com potentes bombas já é admitida por investigadores. Para alguns experts no assunto, ex-integrantes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que atualmente se autodenominam Força Alternativa Revolucionária do Comum, por exemplo, estariam estreitando ainda mais seus vínculos com grupos criminosos brasileiros.
"Esse tipo de organização herdou conhecimentos terroristas com uso de explosivos do Exército Republicano Irlandês (IRA). A possibilidade de os assaltantes brasileiros estarem recebendo técnicos de explosivos que trabalhavam para as FARC e que não contarão com a anistia que está sendo concedida aos demais guerrilheiros (devido ao acordo de paz feito em novembro com o governo colombiano) é alta. Há dinamite e dinheiro sobrando nas mãos dos bandidos daqui", adverte Vinícius Cavalcante, diretor da Associação Brasileira de Profissionais de Segurança (Abseg), especializado em assuntos terroristas, com enfoque em artefatos explosivos.
Promotor do Grupo de Ação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público, Fabiano Oliveira também não descarta a possibilidade de criminosos estrangeiros serem arregimentados por brasileiros, que já contam com kamikazes (bandidos suicidas) em suas fileiras. "Isso é perfeitamente possível. Não é nenhuma teoria conspiratória. Só ainda não flagramos uma situação concreta. Mas é questão de tempo", admite Fabiano.
Ano passado, o Gaeco e as polícias Federal, Civil e Militar prenderam cerca de 30 homens que explodiam caixas eletrônicos no estado. Boa parte tinha sido treinada para manusear explosivos pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo. Os 'cursos' foram dados a criminosos do Comando Vermelho (CV), quando a facção ainda mantinha vínculo com o grupo paulista.
"Hoje, é impossível saber quantas quadrilhas estão em atividade. Elas se expandiram vertiginosamente. Umas são ligadas a facções criminosas, outras não", detalha Fabiano, ressaltando que é preciso maior controle com estocagem e policiamento ostensivo para coibir os ataques, especialmente no interior. "Do contrário, vamos enxugando gelo".
As polícias Federal e Civil não comentaram as investigações em curso.
Vizinhos de bancos se mudam
As cenas protagonizadas pelos assaltantes com explosivos são como filmes de ação. Os ataques são sempre 'cirúrgicos' e duram minutos. Demonstrando ousadia, e sempre bem armados, os bandos interestaduais passaram a invadir não só postos de combustíveis, farmácias e supermercados, mas também escolas e até hospitais.
Em 2015, um caixa automático dentro do Instituto de Cultura Técnica, uma das maiores instituições de ensino de Volta Redonda, foi arrombado a dinamites. No dia 3 de dezembro do ano passado, homens encapuzados detonaram um multicaixa num anexo do Hospital Samer, em Resende. A explosão, além de assustar pacientes, destruiu as cédulas que seriam roubadas.
Conforme o DIA publicou, famílias que moravam sobre instituições bancárias ou estabelecimentos com caixas eletrônicos estão se mudando. "Não é possível se viver em paz próximo aos equipamentos. Fui morar na Tijuca (Zona Norte)", resume um dentista que pediu para não ser identificado e que se mudou com a mulher e dois filhos da Rua Visconde de Pirajá, em Ipanema, na Zona Sul, onde agência da CEF foi atacada em abril.
Em 2 anos, seis operações de fiscalização do Exército
As mais de 7,5 toneladas de explosivos C-4 e TNT roubadas nos últimos seis anos a maior parte de pedreiras paulistas seriam suficientes para colocar abaixo dez Maracanãs ou até 20 prédios de dez andares.
Segundo especialistas, a fiscalização das atividades de fabricação, importação, exportação, comércio, armazenagem, transporte e tráfego de explosivos e produtos correlatos, de responsabilidade da Seção de Fiscalização de Produtos Controlados (SFPC/1), subordinada à 1ª Região Militar do Comando Militar do Leste (CML), é escassa.
Em nota, o CML informou que, entre 2016 e 2017, foram realizadas seis operações em empresas que atuam com explosivos. "Tais ações demonstram a constante fiscalização. Cabe destacar que o transporte de explosivos somente é permitido com escolta armada e que a última ocorrência de furto ou roubo de explosivos no Estado do Rio ocorreu em 2015", diz a nota.
"Além disso, explosivos utilizados em ilícitos podem ser rastreados", ressalta o CML, que, no entanto, não informa quantos explosivos usados nos ataques já foram rastreados e as procedências identificadas.
A venda de explosivos para pedreiras só pode ser feita por empresas com Certificado de Registro (comércio) ou Título de Registro (fabricação) junto ao Exército. Entre 2013 e 2015, o Exército e polícias apreenderam 13,7 toneladas de explosivos no Rio. Em 2016, durante ação da PM, 220 bananas de dinamite foram recuperadas no Complexo da Pedreira, em Costa Barros.
Bandidos recrutam especialistas para evitar erros
Para o promotor Fabiano Oliveira, assim como traficantes contratam, a peso de ouro, químicos para o refino de cocaína, líderes dos assaltos a caixas eletrônicos passaram a recrutar mão de obra com experiência no manuseio de explosivos. O objetivo é evitar possíveis erros de cálculo nos ataques.
"Sem conhecimento do material que têm nas mãos, vira e mexe acabam errando no cálculo do uso de dinamite, frustrando as ações", comenta Fabiano.
Ele lembrou que recentemente bandidos invadiram o Estaleiro Brasfels, em Angra dos Reis, no Sul Fluminense, mas "erraram a mão" na quantidade de explosivos, que foi insuficiente para arrombar os caixas eletrônicos. Já num hotel na mesma cidade, "exageraram na dose", e destruíram o saguão inteiro para violar apenas um equipamento.