Vista do interior da biblioteca Alexandrina - . Foto: Carsten Whimster/Wikimedia
Vista do interior da biblioteca Alexandrina. Foto: Carsten Whimster/Wikimedia
Por REVISTA PLANETA

Rio - O ser humano é pródigo em destruição e extremamente econômico em reconstruções – mas de vez em quando elas vêm, para espanto dos incrédulos e esperança dos que acreditam que nossa raça ainda tem jeito. Um exemplo disso existe oficialmente desde 16 de outubro de 2002, quando o então presidente egípcio, Hosni Mubarak, inaugurou a Biblioteca Alexandrina, numa cerimônia com cerca de 3 mil chefes de estado e autoridades estrangeiras.

Foi a concretização de um projeto da década de 1980, destinado a reeditar a famosa Biblioteca de Alexandria. Levado a cabo pelo governo do Egito e pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), contou com colaborações dos Estados Unidos, de países de cultura árabe e da região do Mediterrâneo.

Erguida no século 3 antes de Cristo e destruída no século 4 d.C., a Biblioteca de Alexandria foi a maior da Antiguidade e um símbolo do saber daquela época. Tal como sua antecessora (construída perto do atual edifício, numa área hoje submersa do Mediterrâneo), a Biblioteca Alexandrina propõe-se a ser um centro público de informação e pesquisa, aberto a estudantes, pesquisadores e público em geral, servindo como símbolo de difusão do conhecimento entre os povos e nações. Na definição oficial, uma “associação entre o passado e o futuro”.

 

Vista do interior da biblioteca. Foto: Carsten Whimster/Wikimedia

 

O ousado projeto arquitetônico, criado pela empresa norueguesa Snøhetta em associação com a egípcia Hamza, tem formas que lembram um enorme disco de aço e vidro inclinado na direção do Mediterrâneo – uma alusão ao microchip, que simboliza a contemporaneidade, e ao nascimento do disco solar a partir do oceano primordial, um dos grandes temas da cosmogonia egípcia. 

Maior sala de leitura do mundo

Seu espaço interno de mais de 40 mil metros quadrados permite abrigar até 8 milhões de volumes, mas por enquanto cerca de 1 milhão estão disponíveis, entre livros, manuscritos e mapas. Não é muito – a Biblioteca do Congresso, nos EUA, possui 18 milhões de volumes, e a Biblioteca Nacional da França, 12 milhões. Mas a instituição não pensa em ser a recordista nesse aspecto: pretende, isso sim, ser referência em novas tecnologias (as quais requerem muito menos espaço) e em civilizações mediterrâneas.

A Biblioteca Alexandrina possui a maior sala de leitura do mundo: 2 mil poltronas, distribuídas por 7 andares e 20 mil metros quadrados. O complexo inclui várias outras dependências, como um centro de conferências, um planetário, seis galerias, uma escola internacional de estudos sobre informações, bibliotecas especializadas para crianças e para cegos, um museu científico, um museu de caligrafia e um laboratório de restauração de manuscritos raros.

Não se pode dizer que a construção foi um mar de rosas: os inimigos do projeto apontaram o custo de US$ 230 milhões como excessivo, afirmaram que a construção destruiu registros antigos da cidade e que a contribuição para a educação seria muito pequena. 

Fanatismo x liberdade intelectual

E, acima de tudo, paira uma ameaça bem contemporânea sobre o empreendimento: será que um país muçulmano, com todo o perigo representado pelas suas facções mais radicais, consegue garantir a liberdade intelectual que foi uma das principais características da Biblioteca de Alexandria? Esta última conquistou destaque em áreas como matemática, astronomia e medicina, além de guardar os textos de Homero e a primeira tradução do Antigo Testamento do hebraico para o grego.

 

Parte da biblioteca voltada para o Mar Mediterrâneo. Foto: Carsten Whimster/Wikimedia

 

Atrativos como esses não significam nada para os fanáticos muçulmanos, cuja maneira de pensar, só para lembrar alguns episódios da própria história recente do Egito, despreza os feitos da civilização faraônica e já conseguiu censurar e banir livros.

A fim de tentar livrar a Biblioteca Alexandrina dessa ameaça potencial, o Parlamento egípcio aprovou um ato especial que concede liberdade à instituição, o que tem garantido um funcionamento a salvo de interferências ideológicas. Resta saber se, no caso de um governo islâmico voltar a assumir o poder ali, essa medida será suficiente para resguardar a biblioteca de garras obscurantistas.

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