Por lucas.cardoso
Rio - Você tem ideia se o seu carro já passou por uma campanha de recall? Pois é, essa informação não é tão clara no Brasil. É uma questão que envolve diretamente a segurança dos automóveis que compõem a nossa frota e, ainda assim, falta divulgação, legislação mais rigorosa e o dever que cabe ao próprio consumidor.
Essa é a avaliação de Hélio Cardoso, engenheiro do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia (IBAPE/SP). Especialista no assunto, ele mapeou a questão no país e agora aponta soluções que caminham para o fim dos problemas. A estimativa é que até 30% dos veículos podem ter problema amparado por recall e estão andando nas ruas sem o reparo necessário. Apesar disso, reconhece uma evolução do governo, montadoras e população nos últimos anos.
Automóveis no pátio da montadoraDivulgação

Segundo o especialista, hoje em dia acontecem recalls com mais frequência em razão do Código de Defesa do Consumidor, além de reflexos das ações observadas mundo afora. “Uma das razões principais para esse aumento é o tempo de lançamento de um carro a partir do seu projeto, que diminuiu bastante, por causa da concorrência. As montadoras correm para lançar seu produto primeiro e dominar determinado segmento. O prazo menor gera mais problemas. Sem contar que a indústria constantemente busca reduzir seus custos de produção”, explica.

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Cardoso aponta que os problemas começam antes do veículo ser produzido. “Há trocas constantes de fornecedores, testes de laboratório dentro da própria montadora que deixam de ser feitos. Tudo isso contribui para gerar mais falhas”.
DEFEITO NÃO PARA PRODUÇÃO
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O engenheiro diz que as fabricantes podem até seguir com o trabalho, mesmo conhecendo a falha. “Ás vezes, até é detectado um problema em um lote de peças. Mas aí entram questões econômicas, pois a montadora não vai parar a linha de produção inteira em razão de um lote defeituoso. Daí, ignoram a questão e depois consideram a possibilidade de um recall”, afirma.
Linha de produçãoDivulgação

Para que ocorra um recall, Cardoso explica que as montadoras precisam identificar uma sequência de falhas iguais num componente, num carro ou até em vários veículos ao mesmo tempo. O proprietário interessado em saber se o seu modelo está envolvido em uma campanha deve fazer uma pesquisa, consultar na internet — principalmente no site do Ministério da Justiça —, entrar em contato com uma concessionária da marca ou o fabricante, onde será possível saber se já existe uma.

Uma vez envolvido, e estando o reparo ainda pendente, ele deve levar o carro numa revenda para realizá-lo, independente d o prazo, pois o recall pode ser feito há qualquer tempo, pela lei. Havendo alguma recusa, o consumidor deve procurar a Justiça.
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Só 13 % dos motoristas fizeram reparo
O especialista lamenta que a população anda deixando de levar seus veículos para o recall: “Historicamente, nas décadas passadas, até 50% dos consumidores atendiam as campanhas. No ano passado, foram apenas 13%. É bem preocupante. Vários fatores andam implicando para esse decréscimo, como falta de uma legislação específica para regulamentar melhor o processo. A comunicação ao cliente, por exemplo, é muito vaga. Com a crise, a capacidade de atendimento das concessionárias diminuiu, sem contar a parcela de desinteresse do consumidor. São muitos os problemas”, lamenta Hélio.

Para ele, ao menos esse cenário de crise tem um aspecto positivo: os consumidores estão se tornando mais preocupados com a qualidade do veículo, além de estarem mais exigentes. Com menos dinheiro para comprar um veículo, eles acabam se tornando mais criteriosos, diz o engenheiro. Antes de comprar um veículo, as pessoas passaram a levar em consideração se o veículo costuma apresentar problemas. “O consumidor está mais preocupado com segurança. É a formação de uma massa crítica. Por outro lado, as montadoras perceberam isso, e agem para que seus produtos apresentem menos defeitos”, esclarece.

Proposta de criar agência reguladora

O engenheiro Hélio Cardoso propõe a criação de um agência reguladora de segurança de veículos no Brasil, como há nos EUA, que monitorasse o processo de produção, pós-venda das montadoras e circulação da frota.

Ainda com o governo, segundo ele, é necessário elaborar uma legislação firme, que imponha obrigações e penalidades às montadoras e consumidores, medidas que atuem na maior transparência da comunicação dos recalls, inclusão das campanhas no documento do veículo (ou selo fixado no carro).

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Existe um trabalho desenvolvido pela Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Cidadania (Senacon), em articulação com o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), com foco na segurança dos veículos que rodam no Brasil. O Boletim de Recall de Veículos traz números sobre campanhas feitas entre 2013 e 2016 e informações sobre defeitos, riscos aos consumidores, componentes mais afetados e percentuais comparativos.
Até setembro do ano passado, mais de 900 mil automóveis, caminhões e motocicletas tiveram que retornar às montadoras para correção de problemas identificados por seus fabricantes, de acordo com a página do Ministério da Justiça.