No meio da música, um facho de luz trêmulo acompanha uma movimentação no meio da galera.
É Chico Buarque surgindo como quem responde aos apelos de sua própria letra.
Os gritos afagam. Os gritos abraçam. Os gritos servem como guias para o compositor chegar ao palco.
Ele dá um beijo na testa da baiana. Em poucos emenda “eu quero te dizer o instante de te ver...”
O show era de 35 anos de carreira de Bethânia.
Na mesa 23 do Canecão, eu, minha mãe, meu pai e meu tio.
Passei uma tarde, pós escola, para comprar aqueles ingressos.
Era dia de lugar sagrado. Até o salgadinho frio e a lanterninha do garçom tinham graça.
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Ainda quando era somente um bar, Ziraldo foi chamado para pintar um grande mural.
Estamos em 1967.
São 32 metros de comprimento por seis metros de altura.
O artista ficou debruçado quatro meses para construir a obra que ficou conhecida como “Última Ceia”.
Essa preciosidade ficou tampada durante anos.
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Na década de 1960 e comecinho da década de 1970, bem pertinho do Canecão, hoje onde está o shopping Rio Sul, ficava a pensão Santa Terezinha, famoso Solar da Fossa.
Garanto: boa parte da arte brasileira morou naquele espaço.
Quer saber quem? Caetano Veloso, Ruy Castro, Paulo Coelho, Paulo Leminski, Paulinho da Viola, Ricardo Vilas e até a musa Maria Glayds.
“Alegria, Alegria”, clássico de Caetano Veloso, foi composto no Solar.
O Canecão, claro, era o quintal.
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Canecão é o mais emblemático espaço artístico do Brasil. Ponto. Voltar é para ontem.