Cartola nasceu em 1908, no Catete, zona sul do Rio de Janeiro. Inclusive tem um bloco de carnaval no bairro que homenageia o cantor.
O avô dele, Luiz Cipriano, trabalhava como cozinheiro do Nilo Peçanha, que foi Senador e até Presidente da República.
Nos primeiros anos de vida, ele brincou demais no belo quintal do Palácio do Catete. É grátis. Vale a visita.
Quando o avô morreu, a pindureta chegou. A família teve que se virar.
Ele foi para o morro da Mangueira, que daria sua fama, aos 10, 11 anos.
Cartola trabalhou como lavador de carros, contínuo, ajudante de obra e pintor. O apelido de Cartola veio desse trabalho.
Ele usava um chapéu de coco para a tinta não cair na cabeça. Parecia que usava uma cartola. A turma logo associou.
A mãe morreu quando ele tinha 15 anos. E com o pai, vivia brigando.
Aos 17, não dava mais pra conviver. O pai saiu de casa e o Cartola entrou de cabeça na boemia, nas vielas da Mangueira, nas casas de prostituição.
Tem uma história ótima desse período. Ele teve aula de malandragem com o mestre Massu, apelido do também sambista Marcelino José Claudino.
Um dia Cartola falou pro Mestre Massu: “eu tô com um problema. Tô apaixonado por uma mulher que tá com um cara aí”. O mestre Massu mandou: “deve ser um mané. Chuta o trouxa”. Eis que vira o Cartola: “o problema é que a sua mulher”.
Climão. Corta.
Nessa época, o sambista Carlos Cachaça era um dos grandes parceiros de copo e de composição dele. Junto, fizeram muitos sambas.
Mais tarde, em 1928, eles, juntos de outros amigos que já tinham criado o Bloco dos Arengueiros, resolveram fundar a Estação Primeira de Mangueira.
As cores da escola foram escolhidas por Cartola. O emblema foi criado por ele. O primeiro samba, “Chega de Demanda”, foi composto por Cartola. Ele fez parte da diretoria até brigar. Acabou saindo da escola e do morro.
Só foi voltar muito tempo depois, quando começou o relacionamento com Euzébia Silva do Nascimento, conhecida como dona Zica.
Dona Zica, que era cunhada de Carlos Cachaça, encontrou um Cartola destruído: sem dinheiro, longe da composição, viúvo, sozinho, distante da Mangueira, doente.
Estamos no final da década de 1940. Cartola sofre com a rosácea, que dá a fisionomia ao nariz dele. Estava muito magro, sem dentes.
Quando Zica soube que o sambista estava na Favela da Manilha, ela foi atrás. Chega a arrepiar. Não queria perder tempo. Não podia deixar o amor ir embora.
Ele compôs “Nós dois” pra ela:
“Chega de tanta procura
Nenhum de nós deve ter
Mais alguma ilusão
Devemos trocar idéias
E mudarmos de idéias
Nós dois”
O agora casal volta ao morro da Mangueira. E Cartola volta a trabalhar, não como compositor, mas como vigia de carros em Ipanema.
Foi nesse momento que o jornalista Sérgio Porto encontrou o Cartola. Essa conexão abriu novamente as portas das rádios. Era uma volta tímida, mas que logo seria turbinada com um sucesso que misturava culinária, música e afeto.
O ponto de virada, depois da Zica ficar com ele, foi a abertura do bar ZiCartola, na década de 1960, na Associação de Escolas de Samba, onde o Cartola estava trabalhando como zelador.
Esse bar fez um sucesso enorme. Dona Zica na cozinha e Cartola ciceroneando diferentes músicos.
Paulinho da Viola começou lá. Nelson Cavaquinho estava sempre. Chico Buarque passou. Alcione, Beth Carvalho. Muita gente bacana. Só nata da nata.
Isso foi contribuindo para o ressurgimento do Cartola compositor.
Foi nesse bar, que desafiado a criar alguma música na hora, Cartola compôs o “Sol Nascerá”:
“A sorrir
Pois chorando
Eu vi a mocidade
Perdida”
Em 1974, com mais de 60 anos nas costas, finalmente Cartola lança seu primeiro LP. E até a morte dele, em 1980, foram mais três lançados. Todos com muito sucesso.
O reconhecimento veio tarde. Quando jovem, ele vendeu muitas músicas. Algumas, ele ganhou crédito. Outras não.
Pra terminar, lembro do Cazuza. O Cazuza não gostava do nome dele até saber que Cartola também se chamava Agenor. Mas tem um detalhe: o escrivão errou e o Cartola não se chamava Agenor e sim Angenor.
Mas tá valendo.