Cláudia Costin - Sim. Falo isso com muita tranquilidade porque, quando a gente desenvolveu uma ferramenta no município do Rio como a Educopédia, que era uma plataforma de aulas digitais baseada no currículo do Rio aula a aula – ou semana a semana, para ser mais exato –, um dos raciocínios que veio na nossa cabeça era justamente: se tiver uma emergência, o aluno pode acessar de casa.
Cláudia Costin - Naquela época, o acesso ao curso online era muito mais insuficiente do que hoje. Quer dizer, nós avançamos muito. O acesso online ainda não é uma coisa generalizada, existem problemas de celular e pacote de dados, mas pouco tempo depois a gente percebeu que dá para atender muitos alunos. Tanto que hoje a gente percebe o número de aulas postadas por alunos ou por professores individualmente ou no Youtube; ou número de Youtubers que tão fazendo grande sucesso postando aulas, as mais diversas. Então a gente aprendeu que teria sido importante fazer isso e que deveria deixar alguma coisa pronta daqui para frente.
Cláudia Costin - A gente aprendeu que uma coordenação nacional teria sido importante. O MEC – é verdade, nós somos uma federação, é bom dar espaço para estados e municípios –, mas um esforço dessa magnitude demanda coordenação da política educacional, porque tem muita coisa disponível para as redes. Porém nem toda rede tem condições, especialmente em cidades pequenas, de fazer uma curadoria de tudo o que existe disponível para ter uma operação logística de mandar – seja cadernos para quem não tem internet, para área rural –, seja para ter uso mais preparado da rádio...
Cláudia Costin - Nessa crise, eu estou com conversas quase diárias com mais de 50 secretários municipais de educação, alguns estaduais. Logo antes de você, eu falei com o do Maranhão, discutindo o que pode ser feito. De fato faltou algum mecanismo de coordenação. O que a gente aprendeu é que, primeiro, a inclusão digital é maior do que a gente imaginaria e que você tem que usar uma diversidade de meios. Você tem que ter material impresso para os que não têm acesso ao digital, tem que ter material na TV – algo que no Brasil chega a quase todos os lares e muitos municípios têem se destacado nesse processo.
Cláudia Costin - Podemos destacar Manaus. Outra mídia são as plataformas digitais, mas elas têm que ter conteúdo dentro, então não basta falar “aqui está a plataforma, usem para dar aulas”. Você tem que preparar os professores para que isso aconteça e mesmo preparações emergenciais têm sido feitas e algumas delas com muito sucesso. No fim das contas, o que a gente vai ter que fazer é recolher essas múltiplas experiências que aconteceram, documentar e ver o que é escalável. O que pode se incorporar daqui para frente na política pública.
Cláudia Costin - Então vamos falar das escolas particulares. Tem uma diversidade de abordagens. De fato não foram só as redes públicas que não estavam preparadas. Evidentemente escolas particulares também não, e isso é uma realidade no mundo. Mesmo assim, a velocidade de resposta de uma escola particular de nível bom tende a ser maior, dado seu tamanho reduzido, do que redes públicas. Elas são menos normatizadas, então normalmente uma escola particular consegue unificar a metodologia, uma coisa que é mais complexa para escolas públicas, né? Em parte, dado o mito de que tem que haver uma grande autonomia para o professor – o que na escola particular não acontece, já que elas escolhem uma metodologia. A escola pública também deveria poder escolher de forma colaborativa, mas nem sempre ela consegue. Então nas escolas particulares, o que está acontecendo é: aquelas que estavam caminhando para um ensino híbrido, o que se chama de blended learning, estão tendo muito mais chance de sucesso nessa etapa do que aquelas que estavam com um ensino mais tradicional. E quando eu falo de blended learning, não é só no sentido da incorporação da tecnologia, mas de um processo de aprendizagem em que o que é feito em casa é o contato com a teoria e o que é feito em aula é a aplicação para problemas da realidade, o que é um ensino mais coerente com o século XXI e metodologias ativas. As escolas que estavam usando o ensino híbrido hoje estão se saindo melhor nesse período, porque elas já tinham roteiros de estudo para os alunos, já tinham aulas digitais gravadas com a teoria para o aluno ver em casa, então isso está disponível. Alunos e professores foram preparados para essa realidade.
Cláudia Costin - É uma crise muito cruel porque muita gente está morrendo, a economia foi atingida, mas por outro lado, se a gente não aproveitar a crise para ser uma oportunidade de aprender, a gente perde. Eu acho que existem aprendizados que têm vindo de algumas escolas que saíram na frente.
Coisas do Rio - Você falou sobre ensino híbrido. Na Universidade de Harvard, por exemplo, o custo de um curso a distância costuma ser mais caro ao presencial. Como está sua avaliação sobre ensino a distância no Brasil?
Cláudia Costin - Hoje, o curso de pedagogia e as licenciaturas, infelizmente, não são vistos como preparatório para a profissão mais importante entre todas, a formação de professores de educação básica. Então, neles deveria existir um mecanismo entre teoria e prática, ou seja, ela não pode se limitar àquilo que a aula nos traz. Ela tem que ter alguma ida e volta para um local de trabalho e/ou de experimentação. Infelizmente isso não é verdade em muitos cursos de EaD de nível superior no Brasil. A gente vai ter que sofisticar um pouco mais essa formação em EaD e não é só fazendo semipresencial, porque semipresencial quer dizer a sala de aula da faculdade e mais aquilo que eu transmito pelo online. Tem que ter uma terceira peça, que é um laboratório ou um espaço de prática profissional incipiente, de indução, de preparação para aquela profissão.
Cláudia Costin - Um bom curso de formação de novos professores, que eu gosto de citar porque não é tão distante da nossa realidade, é a Universidad Diego Portales, no Chile. Nessa universidade, desde o primeiro ano de faculdade, você está no chão de uma escola pública assistindo aula de professores experientes, participando de pequenas atividades, até que no final da faculdade você está não só habilitado em termos de conhecimentos teóricos relativos à profissão, mas também da prática profissional. Uma coisa dialoga com a outra. Nem no presencial nem no EaD aqui no Brasil temos isso pronto. Algumas pouquíssimas universidades trabalham a relação de teoria e prática, mas só no presencial. Não é impossível fazer isso no EaD, é só fazer com que em vez de fazer um estágio de 4 meses e chamar isso de parte prática, você tenha condições de progressivamente colocar esse futuro professor em escolas reais e concretas e aprendendo de acordo com a sua prática. E o que eu estou falando o Brasil já praticou, no antigo magistério, quando era um curso de nível médio. Então, desde o primeiro ano do ensino médio, os futuros professores, quando essa formação era de nível médio, já atuavam em escolas. A gente tem que trazer isso para o EaD. Não só para o presencial. E não é impossível de ser feito.
Cláudia Costin - Isso tanto no presencial quanto no EaD. É parar de ter uma visão elitista com relação à educação. O Brasil tem uma tradição de preconceito em relação a profissões. É como se pôr a mão na massa fosse feio, e há um discurso elitista de que é suficiente ter uma carga teórica forte. Pelo amor de Deus, nós estamos preparando um profissional. Ele precisa conhecer a teoria, mas se ele não tiver a vivência prática… eu sempre pergunto: você iria operar com um neurocirurgião que acabou de terminar a sua residência e nunca tivesse pisado numa sala de cirurgia? A profissão de um professor é tão ou mais importante do que a de um neurocirurgião. E, metaforicamente falando, o professor “opera” o cérebro de crianças, ; então você precisa ter conhecimentos teóricos e precisa ter vivência prática. Ele precisa ver várias “operações” em cérebro de crianças antes de poder começar a fazer pedacinhos de operação e depois poder operar o cérebro de uma criança.