Cláudia Costin  - Divulgação
Cláudia Costin Divulgação
Por Thiago Gomide
 
Não conheço uma única pessoa que trabalhe com educação que não esteja apreensiva, atenta, buscando reunir olhares, tentando desvendar os próximos passos da área. Diversas fazendo contas. 
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Antes da COVID-19, não era raro encontrar os "bastiões da verdade", homens e mulheres, naturalmente com microfones em punho, dizendo que o futuro do ensino é assim ou assado. Muitos discursos foram por água abaixo logo no começo da pandemia. Muitos apagaram seus vídeos no YouTube. Muitos estão dizendo "bem, não falei exatamente isso. Temos um problema de interpretação". 
Pelo inevitável contato com a educação, um fenômeno muito comum é de acreditar que é especialista. Os achismos se multiplicam.  
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Cláudia Costin está em um outro grupo. O grupo que se calca na ciência, nos exemplos, na administração dos inúmeros conflitos inerentes ao povo que faz a educação rodar. Como qualquer pessoa relevante, há quem ame, há quem odeie, entretanto não há quem ignore.
As opiniões dela são discutidas. 
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Para quem não acompanha a trajetória de Cláudia Costin, fiz um resumo de alguns passos: foi ministra de Administração e Reforma no governo Fernando Henrique Cardoso, Secretária de Cultura do Estado de São Paulo na gestão do Geraldo Alckmin, Secretária de Educação do município do Rio de Janeiro no governo Eduardo Paes e diretora global de educação do Banco Mundial. É professora convidada na Universidade de Harvard. Atualmente é a diretora do primeiro think tank brasileiro de políticas educacionais, parceria entre a FGV e a Universidade de Harvard. A promessa é de encontrar iniciativas inovadoras no campo da educação.
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Coisas do Rio - Qual é sua opinião sobre a escolha da professora Sueli Pontes como Secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro?
Cláudia Costin - Sueli tem uma história de vida bonita e comprometida com a educação. Ela, com muita garra, de merendeira virou professora e se tornou uma excelente diretora. Foi diretora em escola de área conflagrada. Sueli mostrou que é possível fazer um bom trabalho em um lugar muito desafiador e soube não só garantir resultados de aprendizagem muito bons no CIEP Primeiro de Maio, como construiu um clima e uma cultura de colaboração na escola. Por conta disso, chamei-a para coordenar o programa "Escolas do Amanhã", voltado a apoiar escolas em áreas de risco. Ela deu um show. 
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Coisas do Rio - Estamos no meio de uma pandemia. Pensando na educação, o que já estamos aprendendo?
Cláudia Costin - Olha, nós primeiro estamos aprendendo que deveríamos ter nos organizado para a contingência, ou seja, situações emergenciais que demandariam alguma medida para que a educação continuasse acontecendo de outras formas. Então, são incêndios de escolas, situações de paralisação de aulas por conta de tiroteios ou situações como essa, que é isso ou outras doenças - nós tivemos a h1n1, por exemplo, que acompanhei de perto, em que as crianças também ficaram sem aula. O que nós nunca vivemos é a situação por um período tão longo. Essa é uma coisa que estamos aprendendo de um ponto de vista de organização da política educacional. Havia alguns dispositivos legais, mas não havia planos feitos pelos gestores das políticas educacionais. 
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Coisas do Rio - Você foi Secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro...

Cláudia Costin - Sim. Falo isso com muita tranquilidade porque, quando a gente desenvolveu uma ferramenta no município do Rio como a Educopédia, que era uma plataforma de aulas digitais baseada no currículo do Rio aula a aula – ou semana a semana, para ser mais exato –, um dos raciocínios que veio na nossa cabeça era justamente: se tiver uma emergência, o aluno pode acessar de casa.
Coisas do Rio - Mas acesso sempre foi um complicador.

Cláudia Costin - Naquela época, o acesso ao curso online era muito mais insuficiente do que hoje. Quer dizer, nós avançamos muito. O acesso online ainda não é uma coisa generalizada, existem problemas de celular e pacote de dados, mas pouco tempo depois a gente percebeu que dá para atender muitos alunos. Tanto que hoje a gente percebe o número de aulas postadas por alunos ou por professores individualmente ou no Youtube; ou número de Youtubers que tão fazendo grande sucesso postando aulas, as mais diversas. Então a gente aprendeu que teria sido importante fazer isso e que deveria deixar alguma coisa pronta daqui para frente.
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Coisas do Rio - E como o Ministério da Educação pode ajudar?

Cláudia Costin - A gente aprendeu que uma coordenação nacional teria sido importante. O MEC – é verdade, nós somos uma federação, é bom dar espaço para estados e municípios –, mas um esforço dessa magnitude demanda coordenação da política educacional, porque tem muita coisa disponível para as redes. Porém nem toda rede tem condições, especialmente em cidades pequenas, de fazer uma curadoria de tudo o que existe disponível para ter uma operação logística de mandar – seja cadernos para quem não tem internet, para área rural –, seja para ter uso mais preparado da rádio...
Coisas do Rio - Você está ajudando muitos Secretários?

Cláudia Costin - Nessa crise, eu estou com conversas quase diárias com mais de 50 secretários municipais de educação, alguns estaduais. Logo antes de você, eu falei com o do Maranhão, discutindo o que pode ser feito. De fato faltou algum mecanismo de coordenação. O que a gente aprendeu é que, primeiro, a inclusão digital é maior do que a gente imaginaria e que você tem que usar uma diversidade de meios. Você tem que ter material impresso para os que não têm acesso ao digital, tem que ter material na TV – algo que no Brasil chega a quase todos os lares e muitos municípios têem se destacado nesse processo.
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Coisas do Rio - Quer dar um exemplo?

Cláudia Costin - Podemos destacar Manaus. Outra mídia são as plataformas digitais, mas elas têm que ter conteúdo dentro, então não basta falar “aqui está a plataforma, usem para dar aulas”. Você tem que preparar os professores para que isso aconteça e mesmo preparações emergenciais têm sido feitas e algumas delas com muito sucesso. No fim das contas, o que a gente vai ter que fazer é recolher essas múltiplas experiências que aconteceram, documentar e ver o que é escalável. O que pode se incorporar daqui para frente na política pública.
Coisas do Rio - Muitas instituições particulares estão sofrendo também...

Cláudia Costin - Então vamos falar das escolas particulares. Tem uma diversidade de abordagens. De fato não foram só as redes públicas que não estavam preparadas. Evidentemente escolas particulares também não, e isso é uma realidade no mundo. Mesmo assim, a velocidade de resposta de uma escola particular de nível bom tende a ser maior, dado seu tamanho reduzido, do que redes públicas. Elas são menos normatizadas, então normalmente uma escola particular consegue unificar a metodologia, uma coisa que é mais complexa para escolas públicas, né? Em parte, dado o mito de que tem que haver uma grande autonomia para o professor – o que na escola particular não acontece, já que elas escolhem uma metodologia. A escola pública também deveria poder escolher de forma colaborativa, mas nem sempre ela consegue. Então nas escolas particulares, o que está acontecendo é: aquelas que estavam caminhando para um ensino híbrido, o que se chama de blended learning, estão tendo muito mais chance de sucesso nessa etapa do que aquelas que estavam com um ensino mais tradicional. E quando eu falo de blended learning, não é só no sentido da incorporação da tecnologia, mas de um processo de aprendizagem em que o que é feito em casa é o contato com a teoria e o que é feito em aula é a aplicação para problemas da realidade, o que é um ensino mais coerente com o século XXI e metodologias ativas. As escolas que estavam usando o ensino híbrido hoje estão se saindo melhor nesse período, porque elas já tinham roteiros de estudo para os alunos, já tinham aulas digitais gravadas com a teoria para o aluno ver em casa, então isso está disponível. Alunos e professores foram preparados para essa realidade.
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Coisas do Rio - O clichê é dizer que crise também é oportunidade...

Cláudia Costin - É uma crise muito cruel porque muita gente está morrendo, a economia foi atingida, mas por outro lado, se a gente não aproveitar a crise para ser uma oportunidade de aprender, a gente perde. Eu acho que existem aprendizados que têm vindo de algumas escolas que saíram na frente.

Coisas do Rio - Você falou sobre ensino híbrido. Na Universidade de Harvard, por exemplo, o custo de um curso a distância costuma ser mais caro ao presencial. Como está sua avaliação sobre ensino a distância no Brasil?
Cláudia Costin - Bom, em primeiro lugar, o EaD está mudando. Eu não gosto muito de guerra de terminologia, eu uso, alternativamente, “aprendizagem remota” ou “educação a distância” porque elas dizem respeito ao mesmo fenômeno. Mas educação a distância apareceu no Brasil via televisão, não foi via computador, foi antes do computador, e tem sido usada até hoje, inclusive vem sendo muito importante nesta crise. Aliás, ela não surgiu na televisão, surgiu em papel pelo correio, mas na evolução foi para a televisão e depois ela chegou aos computadores. E todo mundo imaginou no início que era uma maneira mais barata de educar. De fato ela tem um componente que gera mais eficiência. Você chega em muito mais gente e, portanto, o custo unitário pode ser mais barato, mesmo para Harvard, do que botar todo mundo no campus. A questão é que esse elemento de tornar mais barato não pode ser o único elemento em análise, porque você tem que ter qualidade na educação a distância. E, para ter qualidade no ensino superior, especialmente nos cursos ditos profissionalizantes, ou seja, aqueles que são preparatórios para uma profissão, como engenharia é, como medicina é, e como formação de professores deveria ser, mas não é.
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Coisas do Rio - Como você está encarando a formação dos nossos professores?

Cláudia Costin - Hoje, o curso de pedagogia e as licenciaturas, infelizmente, não são vistos como preparatório para a profissão mais importante entre todas, a formação de professores de educação básica. Então, neles deveria existir um mecanismo entre teoria e prática, ou seja, ela não pode se limitar àquilo que a aula nos traz. Ela tem que ter alguma ida e volta para um local de trabalho e/ou de experimentação. Infelizmente isso não é verdade em muitos cursos de EaD de nível superior no Brasil. A gente vai ter que sofisticar um pouco mais essa formação em EaD e não é só fazendo semipresencial, porque semipresencial quer dizer a sala de aula da faculdade e mais aquilo que eu transmito pelo online. Tem que ter uma terceira peça, que é um laboratório ou um espaço de prática profissional incipiente, de indução, de preparação para aquela profissão.
Coisas do Rio - Existe algum curso que você destaque?

Cláudia Costin - Um bom curso de formação de novos professores, que eu gosto de citar porque não é tão distante da nossa realidade, é a Universidad Diego Portales, no Chile. Nessa universidade, desde o primeiro ano de faculdade, você está no chão de uma escola pública assistindo aula de professores experientes, participando de pequenas atividades, até que no final da faculdade você está não só habilitado em termos de conhecimentos teóricos relativos à profissão, mas também da prática profissional. Uma coisa dialoga com a outra. Nem no presencial nem no EaD aqui no Brasil temos isso pronto. Algumas pouquíssimas universidades trabalham a relação de teoria e prática, mas só no presencial. Não é impossível fazer isso no EaD, é só fazer com que em vez de fazer um estágio de 4 meses e chamar isso de parte prática, você tenha condições de progressivamente colocar esse futuro professor em escolas reais e concretas e aprendendo de acordo com a sua prática. E o que eu estou falando o Brasil já praticou, no antigo magistério, quando era um curso de nível médio. Então, desde o primeiro ano do ensino médio, os futuros professores, quando essa formação era de nível médio, já atuavam em escolas. A gente tem que trazer isso para o EaD. Não só para o presencial. E não é impossível de ser feito.
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Coisas do Rio - Para isso acontecer temos que alterar a cultura e, por consequência, cabeças engessadas.

Cláudia Costin - Isso tanto no presencial quanto no EaD. É parar de ter uma visão elitista com relação à educação. O Brasil tem uma tradição de preconceito em relação a profissões. É como se pôr a mão na massa fosse feio, e há um discurso elitista de que é suficiente ter uma carga teórica forte. Pelo amor de Deus, nós estamos preparando um profissional. Ele precisa conhecer a teoria, mas se ele não tiver a vivência prática… eu sempre pergunto: você iria operar com um neurocirurgião que acabou de terminar a sua residência e nunca tivesse pisado numa sala de cirurgia? A profissão de um professor é tão ou mais importante do que a de um neurocirurgião. E, metaforicamente falando, o professor “opera” o cérebro de crianças, ; então você precisa ter conhecimentos teóricos e precisa ter vivência prática. Ele precisa ver várias “operações” em cérebro de crianças antes de poder começar a fazer pedacinhos de operação e depois poder operar o cérebro de uma criança.
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Coluna dedicada
A coluna é dedicada ao professor Vagner Lúcio de Lima. Ele faz parte dos mais de 40 mil professores ligados à rede pública do município do Rio de Janeiro. 
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Obrigado, professor, pela parceria e carinho.