O Rebracovid é o primeiro estudo complementar da Rede de Pesquisa Clínica e Aplicada em Chickungunya (Replick), coordenada pela Fiocruz - Divulgação
O Rebracovid é o primeiro estudo complementar da Rede de Pesquisa Clínica e Aplicada em Chickungunya (Replick), coordenada pela FiocruzDivulgação
Por Thiago Gomide
Pense no ser mais desatento do mundo. Aposto que ele não passaria em branco ao olhar a suntuosa sede da Fundação Oswaldo Cruz, em Manguinhos.

O castelo com traços árabes encanta. Gera curiosidade. Mesmo sem ter conhecimento do interior, parece que estamos em um conto. O português Luiz Moraes Junior, que trabalhou nas reformas da Igreja da Penha, fez mais um bom trabalho. Ficou pronto em 1918, após a morte do cientista que dá nome a Fundação.

Saindo da ficção para entrar na realidade. Na dura realidade. Caminhar pelos andares desse monumento ( sem esquecer dos espaços que compõem o complexo) é entrar nos desafios e conquistas de boa parte da ciência brasileira nos últimos 120 anos. É entender o motivo do orgulho que a coluna destaca na manchete.

Nascida para enfrentar diversos males, como peste bubônica, febre amarela e varíola, o então chamado Instituto Soroterápico Federal deveria se concentrar no estudo e produção de vacinas. Vacina, palavra por muitos, até hoje demonizada. 

Vindo da França, Oswaldo Cruz só assumiria a direção geral em 1903.

No ano seguinte, já como Diretor Geral da Saúde Pública, um tipo de Ministro da Saúde dos dias atuais, o paulistano compraria brigas que mexeram com a cultura do Brasil e entraram para os livros de história.

Para combater a varíola, Oswaldo Cruz promoveu vacinação obrigatória. Rolou até uma revolta, com mortos e tudo no Rio de Janeiro. Para encarar a peste bubônica, chegou a comprar ratos. Para eliminar o mosquito causador da febre amarela, selecionou um exército de dedetizadores. A ciência estava ao lado e os resultados não tardaram a aparecer.
Virou piada nos jornais. Nos cafés. Nas ruas. A casa foi agredida por populares. Emília, sua esposa, teve que se mudar.  

As pedradas físicas e morais que Oswaldo Cruz foi vítima representam bem o que os cientistas sofreram e ainda sofrem no Brasil. Na década de 1970, vários pesquisadores foram cassados. A ciência tende a incomodar quem luta contra a vida.

Em 1908, já como Instituto Oswaldo Cruz, um outro marco: o desenvolvimento dos estudos de Adolpho Lutz. Gênio pouco conhecido (infelizmente!), Lutz é um dos maiores entendedores de problemas zoológicos. Ele acabou sendo o mestre de tantos médicos e cientistas que por ali passaram. Uma placa indica a sala exata onde trabalhava.

O Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz desde 1970, é conhecido no mundo inteiro. Foi condecorado nos principais países. Naquele espaço sagrado da ciência surgiram saídas para a descoberta da doença de Chagas ( viva Carlos Chagas, que seria substituto de Oswaldo Cruz na liderança do Instituto), debates para a construção do Sistema Único de Saúde e o enfrentamento do vírus HIV, causador da Aids.

Esses são alguns exemplos.

Em diversos cantinhos do Brasil há pesquisadores da Fiocruz buscando caminhos para os nossos enfrentamentos na saúde. A Covid-19 está sendo debatida e há chance de sair daquele castelo ou de algum polo espalhado no país o estudo ou a produção em massa de vacina. As eficácias (ou não) da polêmica cloroquina é pauta, vale frisar. 

Oswaldo Cruz morreu em 1917 por problemas renais, aos 44 anos. Era prefeito de Petrópolis.
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Na carreira, como vimos, várias provocações, enfrentamentos e uma coragem inspiradora para lutar pela ciência.
O castelo é bonito, chama atenção, mas os filhos e filhas de Oswaldo Cruz, que fazem a alma continuar viva, que merecem as palmas dos atentos. Ainda mais nesse instante complicado onde as pedradas físicas e morais voltam infelizmente com força.