A Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional se apresenta no Hospital da Criança de Brasília como parte do projeto Concertos da Saúde. - Marcelo Camargo/Agência Brasil
A Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional se apresenta no Hospital da Criança de Brasília como parte do projeto Concertos da Saúde.Marcelo Camargo/Agência Brasil
Por Thiago Gomide
A primeira a fechar e a última a reabrir.

Se isso fosse uma dica de jogo de adivinhação, alguns responderiam “cultura”. De primeira, arrisco. Virou senso comum. Todos sabem dos desafios, para não dizer agruras, do setor.

Para quem acha besteirinha, a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) contínua nos oferece subsídios para entender o tamanho do que o universo cultural mobiliza: são quase 200 bilhões de movimentação financeira, mais de 5 milhões de empregos formais e informais e participação de cerca de 3% do PIB. Os números podem variar um pouco entre pesquisas, mas nunca são tímidos. 

Em bom economês, isso significa que o Brasil é uma potência cultural. Sei que o leitor já sabia disso e tendo a cair em uma redundância, mas não custa sublinhar.

Em boa defesa de identidade, nossa cultura, tão prestigiada no exterior, é uma das faces mais resistentes da riqueza brasileira. A literatura, o teatro, o cinema e, principalmente, a música são alguns exemplos daqueles que estimulam os olhares para o Brasil.

Isso contribui para a abertura de portas. Outros setores podem ou se beneficiam. Quantos usam artistas brasileiros como garotos propaganda? Quantas empresas usam as melodias nacionais para valorizar raízes e ativar o lado lúdico no consumidor? Bossa nova vende. Samba vende. Funk vende. Forró vende. Sertanejo vende. Participação no Festival de Cannes vende. Presença no Oscar vende. Vencer Grammy vende.

A cultura vende o Brasil. E não há um país forte que não tente vender sua cultura.

França e Inglaterra lutam há séculos. Estados Unidos e Rússia menos tempo, mas com alta intensidade e estratégia. Grécia. Itália. Espanha. Aprendemos muito sobre o Japão através das animações. Duvida? Pergunte ao seu sobrinho ou filho. Se você sonhou um dia ir a Acapulco, no México, foi talvez por causa do seriado Chaves. Alguém, com mais grana, foi por causa do Seu Madruga e associados. Cultura. A China investe bilhões para mostrar seu talento cultural.

Tal qual uma ciranda de Lia, o momento é de dar as mãos e não soltar. Os passos podem ser até dissonantes ao ritmo, mas precisam caminhar juntos. Ao contrário da roda infindável, necessitamos da reta em busca de valorizar um setor combalido e cegamente discriminado. Foi para essa corrida que se juntaram deputados federais, estaduais, secretários de cultura de municípios e estados, artistas, intelectuais e um monte de pessoas que entendem o peso da cultura. As matizes políticas bem distintas deram ainda mais cor à urgência.

O projeto de lei “Aldir Blanc”, que passou na Câmara dos deputados e está no Senado para apreciação, destina 3 bilhões de reais a estados e municípios. Esse dinheiro, surpreenda-se, está parado em fundos. Estacionado. Ignorado. Deveria ser usado exatamente para fomentar o desenvolvimento daquele que nos oferece tanto em retorno.

A primeira a fechar e a última a reabrir não é a cultura. Lamento desapontar. A cultura não fechou em instante algum. Nem um segundo. A música do game é cultura. A live do artista querido é cultura. O livro que nos faz vibrar é cultura. O filme que nos fez esquecer a pandemia é cultura. A série da NetFlix é cultura. O vídeo maravilhoso que você recebeu no zap de um cantor desconhecido é cultura. Tá com saudade do carnaval, né, minha filha? Cultura.

Os espaços culturais estão fechados, a arte não. A arte nunca.
Aos inimigos da cultura, um lembrete: ela agoniza, mas não morre. 

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Explicando os detalhes

“A proposta de autoria da deputada Benedita da Silva (PT-RJ), além de outros quatro projetos apensados, e relatada por Jandira Feghali (PCdoB-RJ) determina que a União entregue aos Estados, Distrito Federal e municípios, em parcela única os R$ 3 bilhões. O dinheiro poderá ser usado para renda emergencial dos profissionais da área de R$ 600, a ser paga em três parcelas. Essa ajuda não poderá ser recebida por aposentados, beneficiários de seguro-desemprego ou do auxílio-emergencial, entre outros pré-requisitos”, explicou a reportagem do Estadão, parceiro do jornal O Dia.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi peça importante para o projeto ir a frente. Papéis de destaque também vão para os deputados Áureo Ribeiro ( Solidariedade – RJ), Marcelo Freixo ( PSOL-RJ) e o xará Marcelo Calero (Cidadania).

“O relatório de Feghali teve apoio do governo. `Junto com o ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) conversamos sobre o projeto`, disse o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO)”, continua a reportagem.

Só nessas linhas vimos PCdoB, PT, PSL, PSOL, Solidariedade, Cidadania, DEM e Governo, de um presidente que nem partido tem.

Que continue assim. Fica a torcida da coluna por essa republicana caminhada.  

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Show de lives

A semana foi repleta de lives, vídeos e textos demonstrando apoio ao projeto de lei.

O professor Miguel Jost, incansável na luta pela cultura, se manifestou de diferentes formas.

O secretário de cultura do município do Rio de Janeiro, Adolpho Konder, o secretário de cultura de Macaé, Thales Coutinho, a secretária estadual de cultura e economia criativa do Rio de Janeiro Danielle Barros e o secretário estadual de cultura e economia criativa de São Paulo Sérgio Sá Leitão são alguns dos líderes executivos que se posicionaram a favor da PL 1075.

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Nelson Sargento

O título da coluna foi inspirado em um velho amigo de rádio Roquette Pinto, o vascaíno Nelson Sargento.

“Agoniza, mas não morre” diz em seus versos iniciais:

“Samba,
Agoniza mas não morre,
Alguém sempre te socorre,
Antes do suspiro derradeiro.

Samba,
Negro, forte, destemido,
Foi duramente perseguido,
Na esquina, no botequim, no terreiro”.
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Faz todo sentido. 

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Aldir Blanc

Falecido recentemente, o também vascaíno Aldir Blanc é um dos maiores compositores e escritores da nossa história.