O artista plástico Rubens Gerchman era um desses.
Quebrou barreiras, criou quando ninguém imaginava e acreditou quando vários disseram não.
A obra dele é popular. Gerchman é um dos símbolos de que a sofisticação está no simples. Zero nariz em pé. Zero aquele ar blasé de "silêncio, como é complicado ser gênio nesse calor".
Como criador e primeiro diretor da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, chacoalhou o Rio de Janeiro.
Em pleno período militar, com forte censura, transformou aquele espaço no Jardim Botânico em um universo de criação, de questionamentos, de debates, de múltiplos olhares.
“Não sabendo que era impossível, ele foi lá e fez". Em qualquer livro barato de auto-ajuda essa frase do dramaturgo francês Jean Cocteau aparece. Capaz de encontrarmos uma variação quando descobrirem essa faceta de Gerchman.
No terreno do impossível destaca-se na Escola de Artes Visuais a exposição “Como vai você, geração 80?", em 1984. Uma legião de jovens de diferentes tribos manifestou artisticamente a busca pela democracia e pela liberdade.
Tinha dança, tinha poesia, tinha pintura, tinha literatura, tinha serigrafia. Tiveram romances que ficaram até hoje.
Nessa ocasião, Gerchman não era mais o diretor, o que demonstra que herança é assunto sério.
Por falar em continuidade, o Instituto Rubens Gerchman é gerido pela filha, Clara Gerchman.
Exemplos não faltam de famílias que venderam tudo após a morte do parente. É mais tranquilo, alguns defendem. Pega a grana, divide e vai, sei lá, tomar vinho em Borgonha.
Nadar contra essa maré, no Brasil, onde infelizmente não reconheceríamos com facilidade nem o talento do Michelângelo, é um ato de fortaleza. Clara é uma gigantesca fortaleza.
Rubens Gerchman faleceu em janeiro de 2008. O Instituto foi criado dois anos após. Boa parte do acervo está sob cuidados de uma talentosa equipe. Diversas exposições já foram realizadas, permitindo que o público tenha contato.
São os caminhos abertos.
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Seminário
Desde de ontem (16) está rolando um seminário público e online debatendo os mais distintos experimentos na arte. Clique aqui para saber mais.
É uma iniciativa do Instituto e da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, que compõe a extensa rede de aparelhos culturais da secretaria Estadual de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro.
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Livro
Em dezembro sai o livro “Espaço de Emergência, Espaço de Resistência", contando a trajetória da Escola, pela editora Azougue, do incansável Sérgio Cohn.
Vai ser possível conhecer melhor o pensamento artístico e educador de Gerchman.
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O compositor Caique Botkay estava procurando uma casa. Visitou dezenas. Dinheiro contado, mas uma vontade quase adolescente.
Lá pelas tantas, ele foi em uma que estava toda destruída. A moradora tinha falecido e a única sobrinha queria se livrar de tudo.
As roupas, os móveis, as louças, tudo estava espalhado na sala. Parecia cenário de guerra.
Comprar a casa, sem cogitação, mas Caique percebeu um quadrinho perdido naquela zona. Era um desenho com os traços de Gerchman.
Arrematou por uma mixaria. Podia ser falso. Podia não ser.
A única forma de constatar era entrar em contato com o próprio artista, que quase caiu para trás. Caique estava com uma das primeiras séries, que tem pouquíssimos exemplares.
A amizade tem seu lado complicado. Gerchman forçou uma troca: a obra rara por uma peça da coleção sobre o Zico. Ao menos rolou uma dedicatória amorosa para o filho de Caique, Bernardo Botkay.
Caique, que faleceu em 2018, era tricolor. Bernardo sempre se declarou um Fla-Flu.
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Parque Lage: história de amor