Cesário Melantonio NetoDivulgação

Por Cesário Melantonio Neto
Esta pergunta se coloca com cada vez mais frequência com reaparecimento de graves tensões no Oriente Médio entre Israel e Gaza. Creio ser possível desde que ambas as partes usem referências comuns. O ocidente e o mundo árabe evoluíram no seio de uma mesma civilização, apesar de suas diferentes culturas, respectivamente, a cultura judaico-cristã e a islâmica, ou seja, uma civilização, mas várias culturas.
Um dos momentos-chave da civilização foi a descoberta da agricultura que transformou a relação do homem com a natureza. Mas, até o aparecimento do racionalismo científico “mythos” foi o elemento estruturante nos dois campos e possuía uma autoridade absoluta nas ciências e na moral.
Publicidade
Os gregos foram os primeiros a transformar o “mythos” em “logos”, mas o “mythos” não desapareceu por completo. Na verdade, se fundiu em tabus culturais que embasam as identidades nacionais. Estes tabus são intocáveis e não sofrem a prova da crítica, sendo enraizados na inconsciência coletiva e variam em função do grau de racionalidade em cada cultura, judaico-cristã ou islâmica.
Após a Revolução Francesa, o Século das Luzes mostrou que a liberdade é uma herança comum que passa para a posteridade sem nenhuma referência a um direito prévio. Mas, o fascismo mostrou a derrapagem possível no sistema democrático mesmo em uma Europa no apogeu do seu desenvolvimento cultural. A explicação foi que o espírito das luzes comporta germes de uma regressão para o mundo primitivo, sem racionalidade e passível de dar nascimento a uma nova barbárie.
Publicidade
O racionalismo pode escorregar para um processo de autodestruição dominado pelo ceticismo e pelo dogmatismo, ou seja, a velha batalha da civilização contra a barbárie. Os fundamentalistas ocidentais rejeitam o “logos” moderno e hoje se transformaram em um movimento de dimensão internacional.
Quanto ao mundo árabe podemos, igualmente, nos colocar a questão de uma oposição entre as luzes e o fundamentalismo muçulmano e, em particular, no caso do wahabismo aparecido no Século XVIII. Este movimento recusa toda inovação especialmente as introduzidas pelo sufismo herético, na opinião desses purificadores do islamismo.
Publicidade
Os wahabitas proibiram a música, a dança e a poesia que sempre fizeram parte integrante do mundo árabe.
Eles proibiram, igualmente, toda a utilização de seda, ouro, ornamentos e joias. Esta seita persegue violentamente todos os que não comungam de suas ideias. Este amálgama entre fascismo no Ocidente e wahabismo no mundo árabe demonstra que cada grupo tem os seus fanáticos para combater e preservar valores éticos e morais. É o campo da ignorância e da barbárie contra o da civilização.
O termo ignorância ou “johiliya” no mundo islâmico se aplica à luta contra os reformistas e permite aos muçulmanos recorrer à violência e à guerra para enfrentar os adeptos de correntes liberais. Ali Shariati, ideólogo da Revolução Iraniana, no seu livro “Sociologia do Islamismo”, interpreta a história com o enfoque religioso pela qual desde Caim e Abel ela é uma guerra em que a arma de cada um deve ser a religião. E por essa razão as guerras religiosas sempre foram uma constante na humanidade.
Publicidade
Shariati sustenta a tese de que o mais importante no fundamentalismo islâmico é a possibilidade de martírio que leva os muçulmanos ao combate sem hesitação. A morte não escolheria o mártir, mas este sim, optaria pela morte em razão da luta sagrada. O testemunho pelo sangue seria a forma mais completa da perfeição religiosa. Diante destas considerações poderíamos nos perguntar se há espaço para uma corrente racional no mundo árabe com a dominação do fundamentalismo islâmico.
A resposta é positiva, pois há uma corrente racionalista no mundo árabe. No fim do Século XVIII o governante egípcio Mohammad Ali enviou missão à França com o fim de propagar a cultura ocidental no Egito. O tradutor Rifaa al-Tahtawi verteu para o árabe 12 obras de Diderot, Rousseau, Voltaire e Condillac. Tahtawi reconhece que a sociedade pode ser fundamentada em bases seculares porque é organizada pelos homens e que as leis, portanto, devem ser expressões humanas.
Publicidade
Outro egípcio Ali Abdul Raziq foi punido pela Universidade religiosa Al-Azhar do Cairo porque em seu livro “Islamismo e fundamentos da autoridade política” fez referências a Hobbes e Locke refutando o califado como sistema de governo muçulmano. Este autor chegou ao ponto de afirmar que as leis divinas não embasam os sistemas de governo e apoiou a separação entre Estado e religião. Abdul Raziq critica o uso da religião para fins políticos.
Um espaço de liberdade existe no mundo árabe para um diálogo profícuo com o Ocidente. Radicalismos e fundamentalismos ocidentais e árabes podem ser postos de lado para a melhor promoção de um diálogo de civilizações isolando e combatendo os extremismos, em voga, nos dois campos.