A invasão russa da Ucrânia ultrapassou um mês com todos os atores envolvidos buscando se posicionar ante a perspectiva de um conflito prolongado até maio pelo menos. Ao ver Vladimir Putin tornar quatro meses de suposto blefe em realidades a ideia de uma guerra breve parece estar sendo afastada.
Moscou quer ver a Ucrânia subjugada e fora das áreas de influência ocidental, notadamente sem chance de filiar-se à OTAN. A leitura mais comum entre analistas é de que a complexa ofensiva visava forçar uma capitulação do governo Zelensky sem muito derramamento de sangue. Não foi o que ocorreu.
Ninguém sabe qual é o real planejamento militar russo. Putin pode, contra todas as expectativas, transformar a Ucrânia em uma Terra ocupada. Ou apenas teve, como parece, de reajustar suas táticas. Quando invadiu, a Rússia cometeu erros táticos. O principal foi não ter feito um ataque concentrado de forças, dividindo-se em diversas frentes com objetivos às vezes concorrentes. A definição militar que se forma agora é outra, uma guerra de atrito.
Se Mariupol cair, um objetivo para Moscou se consolida, que é a parte terrestre entre Donbass e a Crimeia anexada em 2014. Isso possibilitará uma retomada do ritmo da campanha se houver reforço, algo que leva semanas, de todo o flanco sul.
Por ora, o atrito se impõe e há relatos de forças Russas tomando posições defensivas. Mas o tempo está a favor de Putin, que ampliou seu poder interno e mudou a equação com as elites que o sustentavam no início do conflito. Enquanto isso, as negociações seguem abertas, mas lentas.
A Rússia ainda tem vastas reservas de pessoal e armamento. Talvez, e é bom destacar o talvez, este seja o cálculo de Moscou agora. Uma guerra prolongada de desgaste. A Ucrânia não tem a mesma capacidade de reposição de forças.
Com as sanções ocidentais tendo cobrado o pior em termos psicológicos e sendo aos poucos precificadas, até porque não chegaram de fato ao coração da indústria de petróleo e gás que alimenta a Europa mesma que condena o Kremlin, Putin pode eventualmente sustentar a sua posição. O ocidente, por sua vez, também teme que o ritmo do impasse venha a favorecer Putin.
Se as ações vão chegar realmente aos hidrocarbonetos é algo a ver já que esse tema divide os europeus no momento em que a Alemanha importa 55% do seu gás da Rússia. Há ainda a questão dos cerca de quatro milhões de refugiados e sete milhões de deslocados internamente em território ucraniano.
Ela já começa a causar incômodo aos membros mais reticentes da União Europeia, como a Hungria. Todas essas divisões se encaixam nas pretensões de Putin sobre os europeus. Mas a OTAN recusou qualquer coisa parecida com um ato de guerra: buscar fechar o espaço aéreo ou fornecer armas ofensivas.
Uma especulação nos hoje silenciosos meios militares russos é de que Varsóvia poderia enviar uma força de paz para o Oeste ucraniano com o governo local realocado em Lviv. Ainda há espaço, na reação ocidental, para tentar pôr o sino no pescoço da China, aliada de Putin que não condena a guerra, mas rejeita oficialmente dar apoio econômico ou militar a Moscou.
De olho no espólio da crise, Pequim também talvez contasse com uma vitória rápida russa. Mais recentemente o secretário geral da OTAN, Jens Stoltenberg, disse que Pequim está apoiando Putin de forma política com “mentiras descaradas”. Com o apetite de Biden de manter o foco no seu rival estratégico, mais acusações devem vir no futuro.
A pressa ocidental também se deve pelo crescente temor de que as fissuras na tessitura que uniu os países comecem a se tornar fendas e que o preço da adoção do regime de sanções comece a ser mais sentido em suas próprias economias - além de hidrocarbonetos, fertilizantes que têm na Rússia grande produtor e já estão nos maiores preços da história, o que afeta toda a cadeia de alimentos mundial.
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