Na época do famoso caso Mensalão, havia uma maldade que corria entre os advogados, dizia-se que que a Globo investia muito na espetacularização da divulgação do processo, quase que de maneira romanceada, por ter perdido o direito de transmitir as Olimpíadas. Era uma espécie de concorrência. Claro que sabíamos que outros, muito além da audiência, eram os motivos daquela cobertura. E vimos tudo se repetir durante a Operação Lava Jato.
A verdade é que sinto agora, tantos anos depois, uma certa síndrome de abstinência com o recesso da CPI, exatamente quando as atenções se voltam para as Olimpíadas de Tóquio. Já havia manifestado minha opinião no sentido de que a Comissão não deveria ter tido recesso e que já era hora de elaborar um relatório parcial para começar a cobrar responsabilidade. Essa investigação visa descobrir e apontar os culpados pelas mortes de mais de meio milhão de brasileiros. E a omissão criminosa continua fazendo milhares de mortos todos os dias. Banalizamos a dor. Acostumamo-nos a contar os óbitos como quem conta números e não vidas. Então, como interromper a investigação? É como se tivessem pedido um tempo e parado o relógio, como se faz nos jogos de basquete. Um timeout. E nesse intervalo, as pessoas ficassem proibidas de morrer.
Repito: façamos um relatório parcial, somente com o seríssimo trabalho feito até agora para apontar os responsáveis pelo negacionismo que foi e é o responsável pelos óbitos. Compra de medicamentos sem base científica, desprezo pela vacina, política de culto à morte, enfim, tudo que a CPI já pode provar e que todos nós, o Brasil e o mundo já sabemos. Fecha.
Apontem os culpados e joguem no colo da dita sociedade organizada a cobrança a ser feita na Câmara, no Senado, no TCU, na PGR… E aí, instaura-se uma CPI parte dois: a dos corruptos, para investigar quem mercadejou com a vida!
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Desculpem insistir no tema chato e pesado, entre uma tomada de onda no surfe e um lance de ousadia no skate. Mas nós somos ouro no número de mortos na olimpíada da irresponsabilidade no trato com o vírus.
Temos que entender que existem Comissões Parlamentares de Inquérito diferentes umas das outras. Lembro-me que, em 23 de março de 1994, recebi o telefonema de um colega advogado dando a notícia da prisão de um cidadão no Rio Grande do Sul que estava embarcando para Brasília, algemado, para depor numa CPI. O decreto prisional era assinado pela Presidente da Comissão. Teratológico. A ordem de prisão é ato privativo do Judiciário. Mas essa deputada, que assinou o mandado, realizava o sonho de muitos parlamentares: ocupar o lugar dos juízes. Àquela época, mal poderiam imaginar que hoje os juízes/ministros é que estão a legislar, ocupando o lugar de um Legislativo acuado e enfraquecido.
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Impetrei um habeas corpus pela liberdade no STF, HC 71279/ RS, sem ter sequer acesso ao decreto de prisão. Despachei com o grande ministro Celso de Mello alegando a fé do meu grau para comprovar a veracidade dos fatos. No mesmo dia, adentrei a sessão da CPI para libertar meu cliente com um alvará de soltura nas mãos. Era o Supremo impondo limites constitucionais à CPI, e ao Poder Judiciário. Esse é o jogo democrático, todos saem ganhando com a definição clara dos poderes constituídos.
Qual a diferença dessas CPIs? Todas são importantes e a advocacia cumpre seu papel no resguardo dos direitos e garantias dos investigados, e mesmo das testemunhas. Hoje em dia, cumpre preservar até o direito dos advogados. Mas a importância fundamental e crucial é que a CPI da covid, mais do que apurar responsabilidades, tem o objetivo de salvar vidas. Esse tem que ser o compromisso principal: salvar vidas e responsabilizar os assassinos. Qualquer adiamento é perigoso.
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Toda demora tem consequências. Vamos falar como o cidadão comum, angustiado, que não se esconde de torcer para nossos atletas nas olimpíadas, mas que, no fundo, sabe que hoje o único pódio que interessa é a votação do impeachment, é colocar a nossa bandeira hasteada e se emocionar ao ouvir o hino nacional dentro do Congresso, no plenário e nas galerias. Pode ser brega, mas significará que estamos tentando entrar no jogo democrático. Não existe vitória olímpica que possa superar a derrota do nosso país no trato com a tragédia sanitária. Vamos, ainda assim, nos permitir torcer e vibrar com os atletas. Sabendo que há um Brasil perplexo, triste, acabrunhado e humilhado com a condução criminosa e desastrosa desse técnico que preside o país. Resistir, com suavidade, mas com firmeza e sem medo, é a nossa única jogada. A que pode virar o jogo.
É necessário nos refugiarmos no Livro do Desassossego, do nosso Pessoa:
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“Na grande claridade do dia o sossego dos sons é de ouro também. Há suavidade no que acontece. Se me dissessem que havia guerra, eu diria que não havia guerra. Num dia assim nada pode haver que pese sobre não haver senão suavidade.”
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