Elza Soares no camarimThiago Sabino

* Por Juan Filder e Alessandro Lo-Bianco
 A coluna hoje traz uma super entrevista com Elza Soares, um ícone da música brasileira. Ao longo dos seus noventa e um anos ela celebra prêmios e feitos históricos. Vencedora do Grammy Latino com o disco 'A Mulher do Fim do Mundo', eleito o disco do ano pelo The New York Times em 2016, a cantora celebrou também a conquista dos principais prêmios musicais e técnicos com o mesmo álbum, que acabou se tornando um sucesso em todo o mundo. Dois anos depois, em 2018, uma nova indicação ao Grammy Latino reforçava a exuberância da sua discografia com o álbum "Deus É Mulher". E não parou por aí; Elza também teve em 2020, depois de mais dois anos, uma terceira indicação ao Grammy com o álbum "Planeta Fome". Este último teve o disco e o show lançados no festival 'Rock in Rio 2019', como atração principal do Palco Sunset. Agora, no final de 2021, Elza acaba de receber um 'Single de Ouro' pela regravação da música 'O Tempo Não Para - do seu saudoso amigo Cazuza - e se prepara para o lançamento de outros três trabalhos: um disco com músicas inéditas, outro disco que vai trazer a releitura de clássicos da música, e também um novo DVD. Confira!

O Brasil inteiro sentiu muito a perda da Marília Mendonça. Assim como você, ela também representava uma importante voz para as mulheres. Como você sentiu essa perda?

Cara, eu estou arrasada. Muito nova, muito menina ainda e já tão gigante. É como eu escrevi na minha conta do Twitter, é uma tragédia horrível. O Brasil e o mundo perdem uma grande artista e uma figura humana inspiradora. Uma recordista do nosso mercado com números estratosféricos. Uma mulher que lutava como eu, como tantas de nós, pelo espaço e respeito que a mulher merece. Ela fez isso com maestria em um segmento muito masculino, como o sertanejo, e cresceu ainda mais. Fez muito pela música e deixa um legado gigantesco. Que Deus conforte a sua família, sua mãe, seus fãs e seu pequeno filho. Isso dói muito, cara, muito. Estamos sem chão.
Como foi a sensação de ganhar um Disco de Ouro com a regravação de uma música do Cazuza aos 91 anos?

Olha, eu não conto a vida em anos. Eu conto em feitos, em conquistas, em vida. E na minha eu tenho alcançado coisas que eu nem imaginava. Ganhar o disco de ouro a essa altura é mais um feito desses. Estou muito satisfeita por isso. Estou realizada e tem muito mais para vir.

Você foi eleita a cantora do milênio pela BBC. O que você acha que te elevou a esse posto?

Sabe que eu não sei. Na época eu levei um susto, e levo até hoje quando leio uma pergunta sobre isso. No Brasil de tantas vozes fenomenais, eu ter sido escolhida como a maior delas pela 'mídia gringa' é algo muito importante. Eu hoje dedico esse título para Marília Mendonça e sua obra tão importante para a música brasileira.

Ficamos sabemos que você está em estúdio gravando um novo álbum. O que você poderia adiantar à coluna sobre isso?

Estou gravando um novo disco de músicas inéditas e também o meu próximo DVD, ambos trabalhos que irei lançar no ano que vem. Trabalhos fortes, impactantes, mas ainda não posso contar muita coisa. Posso adiantar que vamos fazer barulho, isso eu posso. Esse ano ainda eu lanço outro disco. Um trabalho clássico que gravei com o grande violonista chamado João de Aquino. Uma pérola. Ou seja, lançarei três trabalhos em cerca de dez meses. 'O tempo não para' mesmo, cara. Aguardem!

Você interpretou 'O Tempo Não Para' do Cazuza. Como falamos anteriormente, esse trabalho resultou no 'Single de Ouro'. Pensando hoje nos autos da sua vida, o que essa música representa hoje para você, e o que você poderia falar para os nossos leitores sobre o tempo?

Cazuza é um cara atemporal. Um amigo que eu sinto muita saudade. Um poeta urbano. E essa música é um exemplo disso. Um tapa na cara que fala na letra das coisas que estamos passando ainda hoje. Música atual, sabe? Minha gravação virou tema de novela e tudo. Agora ganhamos o disco de ouro com essa música. Eu dedico tudo isso ao Cazuza, a nossa gente que enfrenta tanto perrengue, ao Rafa Ramos que produziu essa música para mim e ao Pedro Loureiro, que pensou nisso tudo comigo, fez acontecer e tornou esse sonho possível. 'O Tempo Não Para', e assim como o tempo eu não paro também. Meu nome é 'agora'!

Você já tem shows agendados para os próximos meses. Como está a expectativa para esse retorno aos palcos depois desse longo período durante a pandemia?


Minha expectativa é a maior possível. Dá aquele frio na barriga gostoso que nunca devemos deixar de sentir. Até hoje eu sinto. Meu dezembro, por exemplo, já está daquele jeito, mas o retorno aos palcos já começa agora nesse mês de novembro em São Paulo. Depois temos uma sequência linda de shows pelo Brasil, vários aqui no Rio e pelas cidades do nosso País. Até setembro de 2022 eu já estou com agenda. Nessa primeira fase a turnê será com o belíssimo show 'Onda Negra' ao lado do meu parceiro de música e estrada, meu afilhado musical, o Renegado. Estreamos esse show em dezembro do ano passado em formato de live na Virada Cultural de São Paulo e fomos eleitos o melhor show do festival pela Folha de São Paulo. Eu e Renegado estamos ansiosos para ver como a plateia reagirá ao vivo. Será Tudo!

Estamos vivendo um momento em que ainda é perceptível a falta de educação e, muitas vezes, a exacerbação do ódio. O que você poderia dizer hoje sobre isso com toda a sua experiência de vida?

Fico brigando muito, sempre pedindo para que as pessoas se conscientizem, que percebam que falta mais amor e carinho. Percebo que não temos mais respeito e vivemos em um lugar onde a saúde também não tem nenhum valor. Vejo a mulher lutando pelo seu lugar de respeito e dignidade. E eu fico aí, no meio dessa luta toda falando desse ‘Planeta Fome' que a gente vive.

Já que você tocou nesse nome – Planeta Fome – um trabalho que fala muito do feminicídio e muitas outras questões sociais, conte como foi viver uma geração que ainda não sabia debater sobre isso e nem tinha amparo legal como a Lei Maria da Penha.

Acho que tinha a lei Elza Soares e ninguém sabia! (risos) Agora a Lei Maria da Penha esta aí para todo mundo, para todas as mulheres. O mundo não existe sem a mulher. E mesmo assim ela ainda precisa ficar provando isso a cada minuto, a cada instante, e eu continuo achando isso um horror. É por isso que nos meus shows grito muito por isso: mulher, você é mulher”.

Que momentos especiais da sua carreira você agora com carinho nessa entrevista?

São 84 apresentações de discos. Hoje, por exemplo, me recordo com carinho de regravações como ‘Meu Guri’, com Chico Buarque de Holanda, além de Flores Horizontais, com José Miguel Wisnik.

Que conselho você pode dar para os leitores da coluna que desejam viver de arte?

Por favor, não desista, siga em frente! Se eu tivesse desistido não estaria aqui dando essa entrevista.