Luarlindo Ernesto, Histórias do LuarDaniel Castelo Branco

Por Luarlindo Ernesto
O barulho do sino me alertou que alguém estava no portão. Já passava das 8 horas da matina e eu já estava trabalhando desde mais cedo. O mascate que vende pães, biscoitos, leite, jornal e o que você tiver encomendado, aguardava minha chegada. "Bom dia, seu Luar. Vai querer o que, hoje?". Apontei para o pão e o jornal.
Foi então que notei uma fila enorme, virando a esquina. "Que fila é essa, é da vacina, ô Mateus ?". O mascate, com sorriso cúmplice, respondeu: "Hoje é dia do pastel de siri e da empada de mexilhão... Já deixei meu cunhado lá, para não ficar sem os mimos para o final de semana. O senhor esqueceu?". 
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Caramba, esse tal de home office é uma droga. Esqueci do tira-gosto do final de semana. Corri para o celular (detesto zap, QR Code) e liguei para o dono do antro alcoólico, o Refogado (apelido próprio para quem cozinha), que produz os salgadinhos disputadíssimos, no Tem Tudo aqui do lado. "Dá tempo de fazer encomenda ?".
Ih, deu para notar que o comerciante estava atolado de serviço. Os sons de uma cozinha comercial são característicos de correrias em dia agitado. "Ô seu Luar, porque não falou antes? Vou ver o que posso arranjar. É o de sempre ?".  Quase não deu tempo de responder. "Reforça o pedido com mais uns 102 nacos de carne-seca à milanesa !"

Ufa, consegui. Calma, gente. Não furei a fila. Apenas usei a dos idosos. Finais de semana são épocas que, geralmente, aparecem amigos, parentes, netos, sobrinhos, vizinhos, agregados e coleguinhas da profissão. A despensa, geladeira e o fogão a lenha têm que estar abastecidos e prontos para a quebra do isolamento social, dentro dos princípios legais e sanitários da pandemia. Alguns dos visitantes são compreensivos e chegam com um reforço, pelo menos, das cervejas. Mas, claro, a maioria, proporção de oito por dez, só traz a boca. Infalível.
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O Elias, lá da Ilha Grande, é um deles. E, de quebra, ainda fica hospedado por dias, aboletado em rede... A desculpa é sempre a mesma: "Tô longe de casa. Ele só pensa em comer churrasco. Mas, todos são bem vindos, com máscaras, à caverna com wi-fi. Em neon, vermelho-mariposa, coloquei aviso que pisca a cada cinco segundos: trouxe cervejas ? Já elogiaram a ideia (que, até hoje, não deu certo).

A Martita e a Paloma sempre ameaçam aparecer. Nunca aparecem. O Caio (campeão brasileiro de jogo chamado Porrinha), Marlos e o Athos, também. Marcelo Vitor anda sumido. Domingos Meireles já veio umas duas ou três vezes. Ih, quase esqueço do pessoal lá de Angra dos Reis, Antônio e a Leni. Ficam no quarto de hóspedes e ajudam nos preparativos do Furdunço na Praça dos Crentes (um cercado que construí no quintal, equipado com WC e sombreado com parreiras).
Vocês pensam que parou aí ? Que nada. Ainda temos os vizinhos, sempre com desculpas, aceitáveis, para quase aglomerarem. Como prezo a saúde de todos, incluindo a minha, estendi cordões de isolamento em todo o espaço. Cada quadrado (lembram que o Crivella queria fazer os quadrados nas praias, final de ano?) suporta cinco pessoas.
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O plano de distanciamento foi bolado por amigo-vizinho, o Fred, porreta em cálculos e estratégia. Ele me mostrou todo o esquema. Explicou que foi baseado nos compartimentos de tripulantes de submarinos e navios cargueiros. Os vacinados ficam de um lado. Os semi vacinados, do outro. Quem não foi, não entra.
Só ele para organizar uma aglomeração, sem aglomeração. Garrafinhas com álcool gel espalhadas pelo ambiente. O detalhe final é digno de um jogador de pôquer. No portão, uma placa, com fundo branco e letras vermelhas: Encontro de torcedores do América Futebol Clube. Será que afasta intrusos?