Luarlindo Ernesto - Histórias do Luar
Luarlindo Ernesto - Histórias do Luar O DIA
Por Luarlindo Ernesto
Fenomenal o que presenciei, e ouvi, em mais um encontro dominical de alguns moradores deste recanto, no Principado de Água Santa. Claro, no entorno da birosca-bar-tem tudo-secos-e-molhados, aqui pertinho. Vizinho de bombordo, recém viúvo da covid-19, recém desempregado, recém paciente de radioterapia, depois de umas cervejas, fez o que a maioria dos clientes do antro faz: começou a contar bravatas e falácias. Caramba, tinha fila de contadores de histórias. Cada uma de arrepiar. Consegui capturar parte de algumas.  Parecia encontro de pescadores, cada um pegando peixe maior do que o outro.
Minha presença, para não deixar dúvidas, foi beliscar uns torresmos e pastéis de carne seca, fritinhos na hora, acompanhando uma loura estupidamente gelada, evidentemente. E os ouvidos atentos. Sou tarado por histórias, principalmente as contadas por pessoas que apoiam cotovelos nos balcões dos bares da vida. Dá para enredos de filmes, novelas, livros e criação de personagens que fariam a alegria do saudoso Chico Anísio. Tem até ditado para isso: Boca que não merece beijo, cachaça nela !

Costumo deixar parecer que estou com o pensamento longe, bem distante das falsas realidades que aparecem nos causos que vão surgindo. O meu desinteresse aparente é para não inibir os fregueses falantes. Mas, a cada rodada de bebidas, as imaginações são adubadas e misturam ficção com realidade. Há até confissões escabrosas, traições conjugais, e viagens imaginárias. Somente vitórias. Nenhuma derrota.
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Pelo menos, a freguesia é democrática , até os sem dinheiro bebem, e variada: tem os desempregados em maior número, operários, dois advogados, policiais, dois jornalistas, dois padeiros, vários pedreiros, três gráficos, dois pequenos empresários, um quase universitário e algumas poucas mulheres. Todos são considerados bóias frias. Afinal, alguns almoçam muito tarde.
Voltando às histórias fenomenais, enquanto esperava sair da frigideira uma porção de manjubinha, fiquei matutando o ambiente naquele confessionário alcoólico. Juro que pensei em uma música, lá dos anos 1970 e lá vai fumaça. Mas, qual seria? Desliguei a audição e, antes de ligar a memória, mastiguei uns peixinhos. Lembrei ! João Bosco e Aldir Blanc, ironizando uma época, compuseram marcha-rancho, que considero oportuna, e que se encaixava sob medida no momento em que estava vivendo.
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Bem verdade que, admito, não é um ritmo conhecido e apreciado nesses tempos de funk, dos MCs, das músicas estilo sertanejo-universitário ou das Anitas e Shakira. Peguem um grupo de balzaquianos e será difícil encontrar um que conheça Sacaram? E, longe do balcão, demorei a lembrar o nome da melodia.
O ambiente não era tão propício para lembrar de tudo. E foi o grito de alguém que me trouxe de volta à terra, quer dizer, ao bar: "Manda uma porção de mortadela, ô Chico !" Pronto. Lembrei. E não me perguntem o porquê, mas a memória voltou: Rancho da Goiabada. Considero essa música um verdadeiro hino aos brasileiros que enfrentam a crise financeira que ronda nossos travesseiros. Não incluído a do vírus que nos mata atualmente.
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Vamos à obra: Os bóias frias, quando tomam umas biritas, espantando a tristeza, sonham com bife a cavalo e batatas fritas. E, a sobremesa é goiabada cascão, com muito queijo, depois café, cigarro e um beijo de uma mulata chamada Leonor, ou Dagmar". Em outro trecho, os autores mergulham fundo no cotidiano: "Amar. O rádio de pilha, o fogão jacaré, a marmita,o domingo no bar. Onde tantos iguais se reúnem contando mentiras pra poder suportar, ai..."
Melhor vocês procurarem a letra completa no google. A melodia, a orquestra e os arranjos, também, são embriagadores, sem trocadilho. Vão me dar razão.
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