Luarlindo Ernesto
Luarlindo ErnestoGilvan de Souza / Agencia O Dia
Por Luarlindo Ernesto*
Quase esqueci da Páscoa que passou. Os netos, postiços e biológicos, que me perdoem. Só pensam nos ovos. Dou razão. Eu também penso. Ainda bem que eles nada falaram (ou esqueceram ?) do bacalhau. Amém. Afinal, comi sardinhas, em conservas, mais adaptadas ao meu atual orçamento.
Elas já faziam parte do acervo, aqui na velha despensa. Comprei um estoque de latas, no ano passado, quando o preço não chegava a uns R$ 2,50. Quer dizer, estavam na poupança. Serviram para dar gosto nas pizzas da mama (ou da vovó ?), para enfeitar a macarronada (achei que era comida típica de camping), e expulsou o bacalhau norueguês do cardápio. Sardinhas na lata, sem a mulata da 88, virou comida da crise !
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Enfeitei as meninas com pimentões, cebolas, azeitonas, coentro fresco (do quintal), pitadinha de manjericão, páprica levemente apimentada e fiz a festa. Ah, usei o fogão a lenha e, maldosamente, deixei pingar um tantinho de molho nas brasas. O cheiro foi longe e alertou a vizinhança. Afinal, nos tempos das vacas gordas, eu preparava sardinhas portuguesas na brasa. Eita tempo bão, como diz Chico Edson, lá em Volta Redonda. Não conhecíamos a geosmina, o gás era baratinho e eu usava gasolina azul no meu Fiat Pulga, modelo 1948.
Sou precavido. Ainda tenho latas estocadas e, se alguém precisar, é só pedir. Ou melhor, negociar. De preferência pelo telefone fixo. Os mais íntimos sabem que ainda tenho aparelho telefônico de manivela, daqueles que a gente ainda vê em novelas. Dá gosto de conversar com amigos através dele. Sou do tempo do telégrafo, lembram ?
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Bem, voltando à sobrevivência, vou avisando que as latas de conservas, ou melhor os recheios delas, estão sob constante vigilância. Afinal, devo degustar as meninas, do estoque, lá pelo Natal que, pelos meus cálculos, poderá ser comemorado em julho. Época boa,
inverno. Somos adeptos de festejos natalinos típicos da Europa. O Papai Noel vem nos visitar usando roupas próprias para enfrentar
temperaturas abaixo de zero. Ele usa trenó, veículo da neve, como meio de transporte, encaramos comidas quentes, gordurosas, além de amêndoas, coquinho, rabanadas. De quebra, bebemos vinho. Ainda temos a cara de pau de enfeitar os pinheirinhos, na sala, com algodão, claro, fingindo neve!
Quanto aos presentes, amigas e amigos, sei não. Tá difícil comprar sardinha em conserva, quanto mais bicicletas, computadores, celulares, relógios, carro novo, viagens, bacalhau... Lembrei da época que o segundo marido da minha avó paterna, o Antenor, engordava guaiamu aqui em casa. E codornas e coelhos.
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Bem, nessa época, os canteiros do quintal eram mais cuidados e fartos. Ih, além de hortaliças e legumes, (boa lembrança dos rabanetes) tínhamos abiu, jabuticaba, mangas, maçã, tamarindo, jambo... Hoje em dia, temos menos da metade. Mas, dá pro gasto. Tanto é que, a vizinhança se regala colhendo acerola, pitanga, uvas e até cana do brejo. Tá muito ruim não. Cansei de fornecer ervas (nada das proibidas) para o Nélson, conhecido lá do Engenho de Dentro, que curava dor de barriga, enxaqueca, prisão de ventre, resfriado, queda de cabelos, tudo com a flora caseira daqui da caverna. Ah, tomate cereja, naquela época, virou praga. Minha avó chegava a fazer doces dos tomates, ah e de pimenta.
Delícias de receitas. É por essas coisas que eu, até os dias de hoje, me considero um caipira urbano, com sotaque de carioca da gema (nasci em São Cristóvão, o Bairro Imperial do Rio de Janeiro). As três filhas, tadinhas, são tijucanas. Melhor deixar a família de lado.
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Insisto nas sardinhas, pelo menos, as que tenho em casa. Detalhe importante: as latas vazias, rendem um troquinho no posto de reciclagem. Ah, acabou o estoque de cervejas. Então, manda groselha.