Luarlindo Ernesto
Luarlindo ErnestoGilvan de Souza / Agencia O Dia
Por Luarlindo Ernesto
Estava contendo lágrimas, depois da triste notícia da morte de mais um amigo do peito, quando o toque estridente do telefone me despertou do desânimo desse dia. Custei a achar o aparelho. Nesse lapso de tempo, antes de pegar o fone de galalite, pensei na relação das pragas do velho Egito e as que nos afligem neste segundo ano de desesperança e saudades.
A campainha insistia e eu não conseguia atender. Segundos que pareciam horas se passaram e o pensamento não debandava. Eu me vi flutuando no pequeno escritório improvisado. Tropecei no gato, atropelei uma almofada, derrubei a xícara com café e, finalmente, caí sobre o velho telefone vermelho escondido sob pilha de jornais. Até durante a queda, que pareceu em câmera lenta, continuei o devaneio. Já
passaram por isso ?

Reconheci a voz do Paiva. Ele está, assim como o Paulo, em desterro forçado e quase voluntário na Região dos Lagos, em cantinho longe do burburinho das praias e do movimento de veranistas desmiolados e desmascarados dos finais de semana. Ele queria confirmar a morte do amigo comum, aqui no Rio. Tava tão aflito como eu. E não me dava tempo de falar. Só lamentava, em meio ao que achei que era soluço nervoso.
Estava aos gritos. Nem precisava usar o telefone.
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Inspetor da polícia, aposentado, apresentei o amigo Aloy Jupiara, em uma ocasião no Sambódromo, se não me falha a memória, em ensaio das escolas de samba. Paiva se amarrou no Aloy. O policial, que nunca teve pinta de cana dura, se apresentava como funcionário público. Até hoje nem quer saber que foi policial.
Vou contar uma passagem dele: transferido para a Delegacia de Queimados, ele preferia usar o ônibus para chegar e sair do trabalho. O problema era o perigo dos roubos no trajeto do Centro, onde mora até hoje, até Queimados. Mas, malandro da antiga, passou a usar uma carteira da Diocese, onde constava que ele era padre. Quando ladrões chegassem, ele, mostrava a carteira, dizia palavras de conforto e de bondade e seguia em paz.
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Contei isso ao Aloy. Só risadas e uma cervejinha para molhar as palavras. E Paiva, como eu dizia, acabou fã do nosso amigo. Tão logo soube do desenlace, tratou de telefonar para que eu confirmasse, ou não, a triste notícia.
Aloy se foi, camarada Paiva. Deixou um batalhão de amigos, admiradores, semeou bons exemplos de dignidade, educação, profissionalismo e ensinou a todos a escutar e compreender os dramas da vida louca. Partiu antes do combinado. A aflição de Paiva, quando soube da notícia da morte, mostrou o carisma que Aloy espalhou, mesmo fora do jornalismo. E, o telefonema durou mais de 20 minutos, só de lamentações.
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Momentos tristes e que despertaram muito mais saudades do amigo em comum. Deixei o zap, nesse dia, quase de lado, abandonado. Os mais chegados sabem que tenho preferência pelo bate papo de voz. E, por isso, ainda lembro da voz do Aloy, na maioria das vezes, falando desse cantinho de histórias, quando me sugeria que continuasse na linha que escolhemos para contar esses causos. Estão gravados na minha
memória.
Lamento não conseguir falar com ele agora, como gostaria: amigo Aloy, você tá fazendo falta. Tem muita gente por aqui reclamando sua presença. Pena eu não ser Kardecista que, além de não chorar a desencarnação, acredita no movimento cíclico pelo qual o espírito retorna ao antigo corpo em que habitava. Chega de saudade, Aloy.
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Obrigado pelos ensinamentos e pelo carinho que você dedicou ao nosso mundo. Até breve.