O jornalista Pedro Barreto Pereira, autor de 'Notícias da pacificação'Divulgação

O jornalista Pedro Barreto Pereira, doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ, é o autor de "Notícias da pacificação: outro olhar possível sobre uma realidade em conflito", já disponível nas livrarias. A obra versa sobre a política das Unidades de Polícia Pacificadora, analisando como o assunto foi tratado pela imprensa, em reportagens publicadas entre 2008 e 2016. Em entrevista a O DIA, ele reflete sobre o conteúdo de sua pesquisa: "Quase 80% das vítimas de homicídio são negras, o que transparece um legado. A população negra e pobre também tem que ser contemplada pelas políticas públicas de segurança".
O DIA: Por que analisar a política das UPPs pelo prisma das reportagens sobre o assunto?
PEDRO PEREIRA: Como pesquisador de Comunicação, entendo que o discurso é muito importante na implementação de políticas públicas, principalmente nas relativas à segurança. Quando um veículo legitima e publica textualmente que as UPPs estavam dando certo — até porque, de fato, os confrontos entre policiais e varejistas de drogas foram reduzidos no começo — isso causa um impacto positivo no público. No entanto, essas matérias poucas vezes mostravam os efeitos negativos. Isso só passou a aparecer depois de 2013, com a revelação do caso do pedreiro Amarildo, do dançarino DG e do menino Eduardo, todos eles mortos por agentes do Estado. Foi só então que os moradores foram estimulados a denunciar os abusos.
O que revela a análise de quem são as falas nas reportagens?
Revela que grande parte das reportagens ouvia exclusivamente fontes estatais: policiais, juízes, delegados, governadores. Em cerca de 40% do material analisado não havia o contraponto necessário para o bom jornalismo. Mesmo quando as fontes ouvidas não são ligadas ao Estado, costumava-se legitimar o discurso estatal. Por exemplo, se a reportagem entrevista a mãe de uma pessoa morta pela polícia e ela fala: "o meu filho não era traficante", ainda que esse discurso esteja tentando inocentar aquela vítima, também está legitimando o uso da força. Ou seja, se fosse traficante, o assassinato seria justificável.
No seu livro, o senhor fala em "medo branco". O que é isso?
A expressão é da pesquisadora Vera Malagutti Batista, da Uerj, com foco em psicologia social. A violência do Estado brasileiro tem origem colonial, pelo medo de o poder deixar de ser exercido por brancos. Apesar da maioria ser negra, é extremamente cordial por ter sido oprimida pelo Estado. Serão mortas ou presas em caso de revolta.
Na sua opinião, qual foi o maior pecado do projeto das UPPs?
Considerar que o uso da força deve ser central para resolver o crime e a violência no Rio de Janeiro, e até no país. Não é possível pensar na elaboração de políticas públicas de segurança — um direito, garantido pela Constituição — sem observar o nosso passado escravocrata. Quase 80% das vítimas de homicídio são negras, o que transparece um legado. A população negra e pobre também tem que ser contemplada por essas políticas. Atualmente, há apenas contenção por meio do encarceramento em massa e dos homicídios.
Como o senhor vê o novo projeto de segurança, o Cidade Integrada?
As UPPs já previam a suposta integração da favela com asfalto, não é novidade. Mas que integração é essa? Será que os moradores das favelas concordam com esse modelo? A classe média vai se divertir no baile funk. E o lugar do morador da comunidade, é o mesmo? Ou é um lugar subalterno? Vale lembrar que, depois da "pacificação", as favelas da Zona Sul foram inflacionadas: moradores desempregados precisaram recorrer a trabalhos precarizados. E o que acontece quando isso não é suficiente? Surge um estímulo à ilegalidade.
O que é preciso para efetivamente integrar a cidade?
Para começar a pensar, precisamos primeiro ouvir a população marginalizada. Só colocar a polícia na favela não vai resolver. Temos problemas históricos profundos, lidamos com racismo estrutural e injustiça social. Estamos vendo o crescimento da fome e da população em situação de rua. São esses os fatores que aumentam a violência nas grandes cidades, e isso não vai ser resolvido rapidamente.