Analista de pesquisas André Luiz FayãoDivulgação

A diferença entre as intenções de voto e o resultado das urnas suscitou questionamentos sobre os institutos de pesquisa — alvos até mesmo de pedidos de investigação. Para o analista de pesquisas André Luiz Fayão, que presta consultoria para o Instituto Brasileiro de Planejamento e Gestão, houve uma incapacidade de captar um movimento abrupto de votos. Em entrevista a O DIA, o especialista, um dos elaboradores do já extinto Programa de Estudos Políticos da Uerj, fala sobre as diferentes metodologias e a crise de credibilidade. "A pesquisa gera um diagnóstico, não um prognóstico futuro. E a eleição é um processo, não um fenômeno estático", explica.
O DIA: O mundo parece viver uma crise de credibilidade. A que o senhor atribui isso?
ANDRÉ: O conceito de pós-verdade diz respeito a indivíduos que, a despeito dos fatos, estabelecem versões condizentes com as suas crenças. Podemos associar isso a uma crise mais ampla: há descrença nas instituições, nos partidos políticos, na imprensa. As pesquisas de opinião, relacionadas a veículos de imprensa, interpretadas sob um viés ideológico, também experimentam esse descrédito. Nos EUA, republicanos não respondiam às pesquisas, por exemplo. No Brasil, há relatos de correntes de WhatsApp pedindo para não votar ou não responder pesquisas.
Nesse sentido, o senhor acha que a metodologia das pesquisas ficou defasada?
Acredito que sim. Em sociedades como europeia e americana, as discussões sobre mudanças metodológicas já acontecem desde o fim dos anos 2000. Há também uma crise resultante das falhas das previsões ou diagnósticos. As últimas eleições dos EUA, em 2016 e 2020, tiveram erros incomparáveis aos últimos 40 anos. Precisamos explorar outro padrão no Brasil. Por exemplo, acho muito interessante a pesquisa feita pela internet. Além de mostrar uma alta confiabilidade, não só aqui como no resto do mundo, permite explorar questões qualitativas com mais facilidade do que uma entrevista estruturada. O fenômeno da abstenção também é pouco trabalhado e precisa ser melhor estudado: temos que aprimorar a identificação de tendências.
Qual a sua opinião sobre as discrepâncias nas pesquisas majoritárias estaduais, mais acentuadas do que as presidenciais?
Elas foram notadas principalmente no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, onde houve reversão das tendências apontadas. Não se consegue pensar essas discrepâncias sem pensar no quadro nacional. Os institutos não diagnosticaram a situação real do presidente Bolsonaro, este foi o grande problema: a incapacidade da pesquisa de captar um movimento abrupto de votos nos estados citados. Nas pesquisas regionais, institutos menores, com metodologias telefônicas e de internet conseguiram captar melhor essas mudanças.
A que o senhor atribui essa dificuldade de perceber o tamanho do eleitorado conservador?
Em primeiro lugar, uma pesquisa é uma foto momentânea. De imediato, ela gera um diagnóstico, não um prognóstico futuro. E a eleição é um processo, não um fenômeno estático. Creio existirem fatores diversos que convergiram para essa não-detecção. Um deles é uma defasagem do censo, pois houve crescimento de quase 12% da população e, consequentemente, uma redistribuição geográfica. Temos também o contexto de crescente desconfiança institucional, que leva à hostilização de pesquisadores e prejudica a coleta e a metodologia. O "voto envergonhado", outra decorrência da polarização, também desestimula a manifestação a favor de um candidato em regiões onde seu adversário predomina. Por último, temos o problema do impacto das abstenções, não captado pelas pesquisas.
Fala-se agora em investigação criminal dos institutos de pesquisa e em CPIs. O que o senhor acha disso?
Se há indícios de intenção criminosa, tem que haver investigação. E uma vez comprovada a fraude, punição. Mas há uma série de fatores externos, como os que citei anteriormente, que podem levar a um resultado fora da margem de erro, sem haver qualquer manipulação. Se a pesquisa é um produto de informação ao cidadão, precisa ser regulamentada para ter um padrão de qualidade — é necessário se atentar para o risco de engessamento de metodologia.
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