Entre todas as histórias de conquista e superação nos Jogos Olímpicos em Tóquio provavelmente a que encantou mais gente aqui no Brasil tenha sido a de Rayssa Leal, a Fadinha do Skate, de 13 anos, que obteve medalha de prata em skate street, categoria e esporte estreantes na competição. Foi a brasileira mais jovem a subir no pódio em todas as 32 edições da era moderna. E a mais jovem medalhista entre todas as nacionalidades nos últimos 60 anos.
Mas, logo em seguida às comemorações pela medalha e pelo excelente desempenho de Rayssa, veio à tona a polêmica sobre o direito de Rayssa usar comercialmente seu próprio pseudônimo. Rayssa é conhecida como Fadinha do Skate desde os 7 anos, quando começou a aparecer na mídia pelas manobras que fazia vestida como a personagem Sininho, de Peter Pan. Só no Instagram ela tem atualmente mais de 6 milhões de seguidores. Porém, há dois anos, uma empresa de odontologia em Imperatriz (MA), cidade natal de Rayssa, pediu e obteve três registros da marca “Fadinha do Skate” para artigos de vestuário; serviço de entretenimento e organização de competições; serviços médicos ou odontológicos.
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O órgão responsável por receber e avaliar os pedidos, e conceder ou não os registros de marcas, é o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi). O registro protege o uso comercial da marca, criando um monopólio a quem obtiver a concessão.
Essa área faz parte do Direito de Propriedade Intelectual, que engloba Direito Autoral e Propriedade Industrial. Os advogados de Rayssa já estariam questionando no próprio INPI a decisão.
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É uma causa com boas chances. A legislação estabelece que não são registráveis como marca “pseudônimo ou apelido notoriamente conhecidos, nome artístico singular ou coletivo, salvo com consentimento do titular, herdeiro ou sucessores” (Inciso XVI do artigo 124 da Lei nº 9.279 de 14 de Maio de 1996).
Além disso, a mesma lei (Primeiro parágrafo do artigo 128) estabelece que o pedido de marca só pode ser requerido “relativo à atividade que exerçam efetiva e licitamente”. Ou seja, por que dar a uma empresa de odontologia o direito de usar comercialmente uma marca em uma atividade que não é a dela?
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Em casos assim é possível recorrer administrativamente ao INPI, pedindo a anulação. Caso o INPI não anule é possível apelar para a Justiça Federal.
O registro do uso comercial do próprio nome ou pseudônimo é algo que passa ao largo da preocupação das pessoas, como da própria Rayssa. E é mais do que compreensível no caso de uma menina de 13 anos. Mas esse deve ser um cuidado de pessoas que se destacam em ramos como entretenimento, cultura ou esportes, que tenham sua atividade profissional e econômica atrelada ao nome.
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Casos de embates pelos direitos de uso comercial sobre um nome não são incomuns. E nem sempre envolvem pessoas, mas também empresas. E, às vezes, algumas bem grandes. E os litígios podem se arrastar por anos. Foi o que ocorreu na disputa pelo uso do nome iPhone no Brasil, opondo Gradiente e Apple. A Gradiente solicitou ao INPI o registro do nome “Gradiente Iphone” em 2000. Mas a concessão só veio em 2008. No meio tempo, em 2007, o primeiro modelo do iPhone foi lançado globalmente pela Apple. A gigante norte-americana pediu a cassação da cessão do nome à Gradiente e o caso foi parar nos tribunais. Uma tentativa de mediação já no âmbito do Supremo Tribunal Federal fracassou e foi encerrada em junho. O embate prossegue.
Outro caso que vale mencionar é a tentativa de registro para uso comercial da palavra “coronavírus”. Aguardemos a decisão do INPI.
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Luciano Bandeira é presidente da OABRJ.