Colunista Rafael Nogueirareprodução

A eleição presidencial mais acirrada da história nacional deixou no ar uma importante pergunta: que ideia de democracia é essa que julgamos conhecer?

O que chamamos por esse nome consiste, lembremos, entre outras coisas, em eleições periódicas para representantes em várias instâncias, separação de poderes, sistema de freios e contrapesos, império da lei (sistema constitucional), garantia de direitos e liberdades essenciais, entre as quais a de expressão e a de imprensa, recursos para tomada de decisão direta pelo povo (plebiscito e referendo), legitimidade do governante perante o governado. Ao menos isso era o que importava nos tempos em que a realidade do fenômeno valia mais do que as palavras que a ele se referem.

Venceu o candidato eleito com a menor diferença que uma eleição presidencial brasileira já viu; entre os dois ficou um número de votos equivalente a 1/3 da população da cidade do Rio de Janeiro. Para chegar a isso, o vencedor teve de se juntar a adversários históricos, que aceitaram se submeter a uma campanha de culto à personalidade bem pouco democrática, e sem que saibamos exatamente por quê.
Sabe-se lá mais que outros setores imaculados da sociedade também foram seduzidos para o tal projeto, e mediante quais compromissos; a se ver por quem mais celebrou, coisa boa não parece ser. Retirado da cadeia e posto no páreo por decisões que muitos entenderam como “questionáveis”, Lula é um vitorioso derrotado: ganha com as eleições o alimento para sua vaidade, mas leva o poder a quem lhe faz de marionete.

Já a direita, perde e também ganha: teve a maior votação de sua história, fez deputados, senadores, governadores, e chega ao presente com vários quadros, políticos e técnicos, formados pelos quatro anos que passaram.

Difamado diariamente por todo o mundo, Bolsonaro por pouco não vence, e isso sem que sua propaganda eleitoral tenha sido difundida com justiça contra quem pôde persegui-lo e censurá-lo à vontade. E tem tudo para crescer cada vez mais: o consórcio que agora assume o poder, como bom estamento que é, deve voltar a ignorar o que povo sempre lhe pediu e fazer de novo tudo o que bem entender, e sempre sob os mais democráticos pretextos, é claro.

Da comemoração ficaram vários sinais: festas com tiros de fuzis de numeração raspada, bandeiras do Che Guevara aqui e ali, carros em chamas, arrastões, invasões, furtos etc. Para completar essa grande festa da democracia, um ministro argentino já sugeriu até a criação de um banco comum, para ver se dá conta de cobrir os conhecidos rombos de sua Economia com o dinheiro dos brasileiros.
Pode não ser nessa democracia em que muitos brasileiros acreditaram votar. Mas foi nela que votaram. E esse lado sombrio também está ali. Sempre esteve. Vejamos, com o passar do tempo, quantos indignados bandearão para a oposição e quantos continuarão apoiando, ou se convertendo de vez, na turma que só fala “democracia”.
Rafael Nogueira