Laerte BrenoAntoine Break

Por Sidney Rezende
Qual o segredo para o sucesso de estudantes pobres e favelados passarem no vestibular contra todas as apostas em sentido oposto? Nesta entrevista, teremos a resposta. No Complexo da Maré, jovens professores universitários atuam na Associação UniFavela, um dos três cursos de pré-vestibular do conjunto composto por 17 favelas, que tem um total de 140 mil habitantes. Presidente da instituição criada em 2018, o educador Laerte Breno é estudante de Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisador em segurança pública e literatura marginal, além de ativista dos Direitos Humanos, pode-se dizer que é um vitorioso. Ele resolveu preparar a garotada para conquistar uma vaga na universidade. "O trabalho não é fácil. Todos dias é uma luta diferente. Mas aos poucos vamos nos consolidando dentro da favela da Maré. Um trabalho em equipe que hoje fez possível, por exemplo, nos tornar uma ONG. Deixamos de ser projeto e somos oficialmente uma ONG. Mas as conquistas não podem parar, afinal a educação é libertadora", disse. Negro, o presidente da UniFavela contou ainda sobre um episódio de racismo e preconceito por ser da Maré. "Eu fui convidado para dar aula. Ao chegar lá, a mãe da estudante, ao me ver, disse: 'É você que vai dar aula?'. Foi tudo com tom de humilhação e desprezo", relata.
Como nasceu sua paixão pela educação e como você se tornou professor de estudantes que vivem nas comunidades?
Publicidade
Costumo dizer que não escolhi ser professor, a Maré que me escolheu para ser. Tudo começou quando fazia parte de um pré-vestibular aqui dentro da favela também. Conseguia ter certa familiaridade no conteúdo de linguagens e sempre passava o meu conhecimento para os meus colegas. Foram nesses encontros que pensei “A minha vida é dar aula”.
Conte como foi a primeira vez que um jovem te pediu ajuda para estudar?
Publicidade
Foi exatamente quando estava numa biblioteca da Maré, e já fazendo parte da faculdade de Letras pela UFRJ, uma moradora que estava se preparando para a UERJ pediu uma ajuda. Foi nesse momento que o pré-vestibular que fundei se iniciava. Pensei comigo mesmo: “se posso ajudar uma estudante da Maré, também posso ajudar dezenas da Maré”.
Qual o seu segredo para despertar a paixão pelo conhecimento que levou tantos jovens a passar no vestibular?
Publicidade
Não acredito que o professor desperte conhecimento no estudante. O que temos que fazer é valorizar o conhecimento que ele já carrega dentro de si. É exatamente isso que faço, afinal todo conhecimento é uma porta para ideias e diálogos importantes.
Além da pobreza, da fome e das dificuldades das famílias, agora temos a pandemia. Como superar isso e levar jovens até a universidade?
Publicidade
Pobreza, fome e miséria não são novidades. A pandemia apenas acentuou isso. A diferença agora é que estamos morrendo por minuto. Estamos sem ar. Me entristece saber que até agora não demos um passo para frente e a cada dia estamos vivendo um retrocesso. O amarelo da bandeira do Brasil não significa riquezas da nação, mas é um amarelo da fome.
As escolas formais fechadas trazem quais dificuldades para o aprendizado da juventude da periferia?
Publicidade
Fechar escolas por si só já deveria ser um crime, assim como fechar bibliotecas. Acontece que muitos estudantes não têm o aparato para desfrutarem do ensino à distância (EaD). Além disso, o problema em si não é o EaD. Isso é recurso pedagógico ótimo, mas o problema é justamente a exclusão tecnológica que dificulta os alunos favelados de simplesmente assistirem a um vídeo.
O ensino particular é mesmo superior ao oferecido pelo poder público?
Publicidade
Infelizmente não se pensa educação no país. Quem deveria estar pensando faz questão de ignorar e usa terno e gravata e está bem confortável numa sala com ar-condicionado. Enquanto continuarem ignorando, vai ter criança baleada indo para escola e aulas suspensas por conta de tiroteio. Por isso, sigo fazendo o meu trabalho por aqui, para amenizar os impactos que o próprio poder público ignora propositalmente.
Ser negro, favelado e morar na periferia é um obstáculo instransponível para quem escolheu estudar e crescer no Brasil?
Publicidade
Ser negro e favelado não é obstaculo, mas os direitos que deveriam ser ofertados a nós que são. O nosso direito de ir e vir, o direito de respirar, de moradia e saneamento básico sequer chegam em nós.
Você já sofreu algum preconceito por ser negro e se apresentar como professor?
Publicidade
Já tive uma experiência na Barra da Tijuca, bairro nobre do Rio. Eu fui convidado para dar aula. Ao chegar lá, a mãe da estudante, ao me ver, falou “É você que vai dar aula?". A coisa piorou quando eu disse que moro na Maré. “Você mora na favela e conseguiu entrar na universidade?”. Foi tudo com tom de humilhação e desprezo. Nunca mais voltei.
Como tem sido o trabalho na UniFavela para manter o jovem estudando?
Publicidade
O trabalho não é fácil. Todos os dias é uma luta diferente. Mas aos poucos vamos nos consolidando dentro da favela da Maré. Um trabalho em equipe que hoje fez possível, por exemplo, nos tornar uma ONG. Deixamos de ser projeto e somos oficialmente uma ONG. Mas as conquistas não podem parar, afinal a educação é libertadora.