O Renascença Clube faz sua tradicional roda de samba, comandada por Moacyr Luz, em homenagem a São Jorge na segunda-feiraDivulgação

Rio - Depois de emitir nota em que proibia manifestações políticas em eventos do estabelecimento e ser acusado de promover censura, o Renascença Clube emitiu novo comunicado para retificar posicionamento. "Por sua própria história de luta pela resistência, o clube não é contra manifestações políticas e jamais cercearia a liberdade de expressão de quem quer que seja. O clube é apartidário, mas apoia o direito à democracia", diz texto do tradicional reduto do samba no Andaraí, Zona Norte do Rio. 
No novo comunicado, a presidência afirma que o clube é um lugar "de samba e alegria" e que não se responsabiliza por qualquer manifestação política por parte dos artistas e do público. "Vale esclarecer que os dirigentes do Renascença não podem emitir as suas opiniões político-partidárias em cumprimento ao que rege o Estatuto do clube", complementa.
"O samba é a voz do povo e surgiu a partir da resistência! O Renascença Clube é uma fortaleza cultural ativa pela preservação dos direitos humanos, do meio ambiente e dos vulneráveis. A sua atuação política apartidária não o desqualifica ou, muito menos, o afasta da luta pelo fim das desigualdades e dos preconceitos", prossegue.
O espaço, que abriga o famoso Samba do Trabalhador às segundas-feiras há anos, foi fundado em 1951 e é conhecido por ser um espaço de resistência negra. Inclusive, ele foi fundando por negros da classe média carioca que estavam cansados de sofrer discriminação por cantar samba e dar evidência às tradições afrodescendentes. Usualmente, depois dos shows, o público protesta e grita palavras de ordem contra o presidente Jair Bolsonaro (PL), o que não agradaria parcela dos atuais dirigentes do espaço.
Revolta no samba
Na primeira nota, emitida nesta terça-feira e apagada na sequência após sambistas acusarem espaço de promover censura, o presidente do Renascença Clube, Alexandre Luiz Xavier Alves, afirmou que o estatuto do clube "veda a promoção em suas dependências qualquer manifestação de caráter político-partidário". Apesar disso, ele disse que o "Renascença Clube reafirma seu compromisso, busca e desejo de uma sociedade mais igualitária".
Tudo isso aconteceu após show de Moacyr Luz e Samba do Trabalhador, que aconteceu na última segunda-feira e teve participação da cantora Teresa Cristina. Em contato com O DIA antes da veiculação do segundo comunicado, eles repudiaram a censura promovida pelo clube.
Teresa Cristina, que fez participação na roda de samba e homenageou Elza Soares, que faleceu na semana passada, relatou estar surpresa com a nota do clube, a qual denominou como "pesada, estranha e que não diz com clareza qual o pensamento por traz dela".
"Para mim, um lugar que há tantos anos recebe inúmeras pessoas do samba, pode ser chamado de casa de samba. E a casa de samba é a casa do povo. E a voz do povo sempre sobressai. Principalmente, em um lugar com este título. O samba é libertário, revolucionário, contestador. Você não pode dizer que é sambista e ir contra a liberdade das pessoas. Isso é muito complexo. Não consigo descrever isso em uma simples resposta. Mas acho que num ano de eleições, a casa lançar uma nota que proíbe manifestações políticas dentro daquele local, ela diz que você não pode cantar samba. Não conheço discurso mais político que o samba", declarou a sambista.
Questionada sobre a manifestação popular que teria acontecido na última segunda-feira e gerado a veiculação da nota pela presidência do Renascença, a cantora disse que única manifestação popular foi o samba.
"Cantei 'Meu Guri' e o samba-enredo em homenagem à Elza feito pela Mocidade Independente de Padre Miguel. Achei curioso que na hora do samba para a Elza, notei poucas pessoas com olhares de reprovação e achei bem esquisito como um samba para uma estrela, uma das mulheres mais importantes da história do Brasil, pode incomodar alguém. Mas aquilo ali foi um sentimento meu. Vi aquela cara, mas nunca tive medo de cara feia ou cara atravessada. Deixei pra lá. Fora isso, não vi nada. Não aconteceu nada. Foi uma segunda-feira completamente normal", garantiu ela.
Teresa Cristina, que costuma acompanhar o Samba do Trabalhador, dar canjas nos shows e levar amigos e familiares para conhecer o local, revela ainda que não pretende retornar ao espaço pela censura ser contra a sua natureza.
"Vi que muita gente se indignou com a nota. Mas tem uma galera também, que se diz sambista, está ali e me ofendendo. Muitas pessoas partidárias desse governo de morte. Não posso estar num lugar assim. Imagina! O samba nos faz bem, nos renova, nos traz boas energias, mas precisamos ser livres. Precisamos cantar o que a gente quer. Não pode ninguém chegar e dizer o que você pode falar ou como se comportar porque isso não é samba, isso é quartel. Ninguém está ali para receber ordem. Eu não estou, então, não vou", finalizou.
Já Moacyr Luz e o Samba do Trabalhador usou as redes sociais para se pronunciar. "O samba, em sua essência, sempre foi um ato de resistência. Um lugar onde aqueles que nunca tiveram voz, passaram a poder se expressar através da arte. Por aqui, seremos sempre apreciadores incansáveis da liberdade da expressão, e contra quaisquer tipo de censura", disse em nota.
Em contato com O DIA, Moacyr afirmou que o grupo não tem "a menor pretensão ou vontade de impedir" qualquer manifestação espontânea do público em seus shows.