Mariana Xavier chega no Rio com sua peça ’Antes do Ano Que Vem’Adriano Dória

Rio - Mariana Xavier chega ao Rio com a turnê de sua peça “Antes do Ano Que Vem”, que estreou nesta sexta-feira (20), no Centro Cultural João Nogueira, na Zona Norte, e terá curta temporada até o dia 29 de janeiro. A história vai além de uma comédia divertida, buscando tratar de um tema muito delicado: a saúde mental.

Dirigida por Lázaro Ramos e Ana Paula Bouzas, a trama é contada pelo olhar de Dizuite, a faxineira da Central de Apoio aos Desesperados (CAD), uma espécie de CVV (Centro de Valorização da Vida), e se passa em uma noite de Réveillon, quando há um aumento significativo no número de ligações com pedidos de ajuda.
Isso porque datas como esta, de “felicidade obrigatória”, fazem aflorar ainda mais as emoções de quem não está muito satisfeito com a própria vida. A psicóloga de plantão do CAD não aparece para trabalhar e Dizuite, que não foi preparada para a função, mas administra com sabedoria popular as dores e delícias do próprio cotidiano, é quem tem que atender aos telefonemas. Ela tenta mostrar àquelas pessoas que vale a pena viver e que ainda dá pra ser feliz antes do ano que vem. Da adolescente traída à socialite falida, a comédia revela sete diferentes personagens que avaliam a vida e projetam seus votos de novo ano em perspectivas curiosas e muito divertidas.

E todas essas personagens são feitas por Mariana Xavier, que acredita que esse seja o maior orgulho de sua carreira. “Eu tenho um pouco de medo de falar isso porque o trabalho que a gente está fazendo no momento é sempre nossa maior alegria. Mas se não for o maior orgulho da minha carreira, está entre eles. Ela superou todas as minhas expectativas. Está sendo uma trajetória muito linda”, conta a atriz.

“Quando eu encomendei um monólogo para o Gustavo Pinheiro eu disse para ele: 'Eu quero uma comédia, mas eu quero uma comédia com mensagem. Eu não quero uma comédia que seja só entretenimento. Eu quero que as pessoas se sintam abraçadas de alguma maneira. Quero uma comédia com a qual elas se identifiquem, que elas se emocionem’”, relembra ela.

“E aí, quando veio o texto, eu estava passando por um momento emocionalmente muito frágil. Foi a primeira vez que eu me vi precisando procurar um psiquiatra. Eu estava no melhor momento da minha carreira até então e, ainda assim, eu não me sentia plenamente feliz. Eu me sentia cobrada. Então foi onde eu entrei num processo de ansiedade. E aí quando chegou o texto, ele me abraçou. Eu lia aquele texto, e eu me emocionei lendo. E eu falei: ‘Caraca, se eu me conectei com um papel, nesse nível, é porque isso aqui tem muito potencial para ser o que eu queria’”, afirma.

A atriz ressalta que preparar uma produção como essa demanda muito tempo. “As pessoas não têm noção de quanto tempo demora para um espetáculo acontecer. Isso foi no início de 2018. Começamos a ensaiar no final de 2019, a estreia ia ser em janeiro de 2020 e eu quebrei a perna seis dias antes da estreia. Aí fiquei 50 dias sem poder colocar o pé no chão. Depois entrei em um processo de reabilitação super intenso, super dedicada, acreditando que eu ia poder estrear a peça ali em abril, maio de 2020. E aí veio a pandemia, que virou a vida de todo mundo de cabeça para baixo”, destaca Mariana, que acredita que essa pausa foi essencial para dar mais peso à mensagem proposta pela peça.

“Nesse tempo de pandemia a gente ficou totalmente sem perspectiva de fazer essa peça. Eu pensei em desistir, inclusive. Até que a gente falou: ‘Não, vamos retomar, e vamos aproveitar essa parada para fazer todos os ajustes que a gente queria fazer’. E cara, ficou uma coisa incrível! Eu sempre falo que Deus agenda tudo. E acho que agenda mesmo porque essa peça em 2020 não teria o peso que ela teve em 2022. Porque a gente está falando de personagens à beira de um ataque de nervos pedindo socorro. E nesse tempo de pandemia, não houve quem não se sentisse assim, uma ou muitas vezes. Não houve quem não tivesse seus planos e sonhos frustrados e sem perspectiva de realizar. Não houve quem não se sentisse profundamente sozinho em algum momento. Então essa peça hoje virou um abraço de uma profundidade nas pessoas que é a coisa mais linda do mundo. Você não tem noção de como eu fui feliz com essa peça em 2022”, garante ela.

O Rio já é a 15ª cidade da turnê de “Antes do Ano que Vem”, que estreou em São Paulo em março do ano passado. Para Mariana, a recepção das pessoas pelo país a fora é o que a motiva a continuar fazendo teatro. “É um retorno, uma alegria do encontro que só o teatro dá. Eu sou do teatro. As pessoas me conhecem muito por conta do cinema e da TV, mas eu venho do teatro. Eu comecei no teatro com 9 anos de idade. Então eu sempre falo que eu não precisaria fazer teatro hoje em dia. O teatro, mesmo quando tem patrocínio, mesmo quando tem a famosa Lei Rouanet, que o povo adora falar mal como se fosse uma coisa que definitivamente não é, mas mesmo quando tem, ela não me paga nem perto do que eu ganho em muitos outros trabalhos. Continuar fazendo teatro é uma escolha ideológica mesmo, política. É uma escolha de regar as minhas raízes para que elas continuem fortes. Para que eu nunca me esqueça de onde eu vim, porque eu escolhi essa profissão e tudo que eu caminhei para chegar até aqui. Então tem sido muito incrível”, reforça.

Muito conhecida por seu papel como Marcelina na franquia de filmes “Minha Mãe É Uma Peça", grande trabalho de Paulo Gustavo, a atriz reitera que seu espetáculo é sim divertido, mas que vai além da comédia.

“As pessoas falam: ‘Ah é a Marcelina do Minha Mãe É Uma Peça, vamos que vai ser super engraçado’. E é muito engraçado, mas não é só engraçado. As pessoas são atravessadas por essa peça de um jeito tão bonito, tão profundo. Um dia desses eu fiz uma publicação e um rapaz comentou: ‘Essa peça salvou o meu ano de 2022’. São experiências muito fortes que eu passei em cada cidade. E eu estou muito feliz de trazer essa peça para o Rio. Muito feliz que seja na Zona Norte. Muito feliz que a gente tenha ingresso a 20 reais. Porque é uma temática que não pode ficar restrita a essa elite que tem condições de pagar 100, 150 reais num ingresso de teatro. Outras pessoas precisam falar sobre isso, precisam ouvir uma história que as abrace, que abrace seus sentimentos, que abrace as suas histórias, os seus desafios. Então eu estou em êxtase”, comemora Mariana, que acredita que essa peça é o maior desafio de sua carreira.

“É desafiador por ser um monólogo. É desafiador porque é um monólogo que eu faço sete personagens sem mudar de roupa. Não tem subterfúgio. Não tem um adereço para a pessoa identificar qual é a personagem que está falando. Não tem uma roupa diferente. É tudo no corpo e na voz. É teatrão raiz mesmo”, diz ela. “É uma oportunidade de mostrar para o grande público muito mais do que eles conhecem de mim até aqui. Porque não tem disfarce. É ali, na frente dos olhos das pessoas, me transformando nessas sete mulheres. Não tem ‘corta’, ‘faz de novo’, ‘apaga essa cena’, não tem. É tudo ali, na magia do ao vivo que tudo pode acontecer, e acontece mesmo”, atesta.

“É desafiador porque a gente escolheu falar de um tema extremamente delicado que é a saúde mental, que é o suicídio, através de uma comédia. Por isso que eu acho que dá para dizer sim que essa peça é o maior orgulho da minha carreira. Porque são muitos desafios somados e que a execução disso está sendo muito bem sucedida. E eu acho que o mais importante é a forma que a peça se comunica com as pessoas. Porque era isso que a gente mais queria. Podia ser um grande exibicionismo da atriz, mas se não comunicasse, se não chegasse nas pessoas, não faria sentido.”

A artista aponta ainda que o espetáculo é uma fusão da “Mariana atriz” com a “Mariana comunicadora”. “É a oportunidade de mostrar muitas facetas do meu trabalho como atriz, que muitas vezes o mercado audiovisual não me dá, de mostrar um lado mais dramático, um lado mais profundo. Mas a peça está também carregada de muitas mensagens que a Mariana comunicadora quer deixar para o mundo. Que tem a ver com falar sobre a sobrecarga feminina, sobre como as pessoas são reprimidas a falar sobre os seus sentimentos, sobre os preconceitos que as pessoas têm com o tratamento da saúde mental e emocional. Então é um mix”, explica.

Por fim, Mariana conta que sua perspectiva para o futuro de sua carreira é seguir desvendando caminhos que vão além do humor. “Eu tenho procurado, já há algum tempo, e a peça tem a ver com isso, abrir espaços fora da comédia. Mostrar para as pessoas que eu faço comédia bem, mas que eu posso fazer outras coisas muito bem também. Não me deixar resumir pelo rótulo de humorista, de comediante. Que são rótulos que eu sempre recusei porque eu acho que me resumem. Eu sou atriz. Uma atriz que faz comédia bem, mas que faz drama muito bem também, se me derem essa oportunidade. Então eu tenho procurado conquistar personagens fora do núcleo cômico, personagens que não tenham a ver com meu corpo. Que eu possa ser vista como uma atriz, e não uma atriz gorda. E eu espero que cada vez mais eu vá tendo essas oportunidade, porque eu gosto muito de fazer drama”, afirma ela, que enxerga na própria comédia um potencializador disso.

“Eu acredito muito na comédia não só como entretenimento, mas como uma grande ferramenta de provocar reflexão”, conclui.
SERVIÇO:
Peça "Antes do Ano que Vem"
Onde: Centro Cultural João Nogueira - Rua Dias da Cruz, 170 - Méier.
Horário: 19h.
Data: De 20 a 29 de janeiro.
Ingressos: A partir de R$ 20.